domingo, outubro 31, 2004

Um brilhozinho nos olhos...

Quatro distintas senhoras, entre os cinquenta e os sessenta anos, sentadas a uma mesa de café numa pequena vila do Baixo Alentejo. Se houvesse uma Holla, uma Nova Gente ou outra publicação de género exclusiva da terra, elas estariam certamente nas primeiras páginas. Hoje falam da Xana, adolescente, que está grávida do namorado. É a última fofoca e contam-na com todos os requintes.
- Bastava olhar para ela e percebia-se logo: esta é daquelas que fode, diz uma delas.
Receio ter ouvido mal e insisto:
- É daquelas que quê?
- Daquelas que fode, minha querida, diz a senhora, levando aos lábios a chávena do café ao mesmo tempo que estica cuidadosamente um mindinho cheio de anéis de ouro.
Tento não me desmanchar a rir ao ouvir a frase e pergunto:
- E como é que isso se vê?
- Ora, ora. Muito fácil. Têm sempre um brilhozinho nos olhos. Nota-se à distância. Agora que aguente as consequências. Mas lá que foi uma grande bofetada na cara da mãe, isso foi.
Fico sem resposta, sob pena de provocar um pequeno terramoto na mesa, e mergulho na edição de Domingo do Público, que alguém, providencialmente, deixara na mesa do lado.
Faz-se silêncio por uns segundos e todas me olham fixamente. Suspeito que estavam a testar a teoria do “brilhozinho nos olhos”. Lindo...

sábado, outubro 30, 2004

Porque um bocadinho de romance nunca fez mal a ninguém...

... e porque nós, mulheres, somos umas incuráveis românticas:

FICO ASSIM SEM VOCÊ

Avião sem asa, fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola. Piu-Piu sem Frajola
Sou eu assim sem você

Por que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil alto-falantes
Vão poder falar por mim

Amor sem beijinho,
Buchecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço, namoro sem 'amasso'
Sou eu assim sem você

To louco pra te ver chegar
To louco pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço, retomar o pedaço
Que falta no meu coração

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo.
Porque? Pooooooorque?

Neném sem chupeta, Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada, queijo sem goiabada
Sou eu assim sem você

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo

(Adriana Calcanhoto)

Gajos...

Um diligente leitor deste blog enviou-me um e-mail com o seguinte conteúdo:

Frases retiradas de revistas femininas da década de 50 e 60

*Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas.
(Jornal das Moças,1957)

* Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto.
(Revista Claudia, 1962)

* A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa.
(Jornal das Moças, 1965)

* A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas. Nada de incomodá-lo com serviços domésticos.
(Jornal das Moças, 1959)

* Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda casa.
(Jornal das Moças,1957)

* A mulher deve estar ciente que dificilmente um homem pode perdoar uma mulher por não ter resistido às experiências pré-núpciais, mostrando que era perfeita e única, exatamente como ele a idealizara.
(Revista Claudia,1962)

* Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade ele não irá gostar de ver que ela cedeu.
(Revista Querida, 1954)

* O noivado longo é um perigo.
(Revista Querida, 1953)

* É fundamental manter sempre a aparência impecável diante do marido.
(Jornal das Moças, 1957)

* O lugar da mulher é no Lar. O trabalho fora de casa masculiniza.
(Revista Querida, 1955)

A CONCLUSÃO A QUE OS HOMENS CHEGARAM:
Não se fazem mais revistas como antigamente...


A CONCLUSÃO A QUE EU CHEGO:
Por muito que digam que não, ainda há muito belo marmanjo alto, espadaúdo, moreno e de olhos verdes (e apenas com dois neurónios activos) que adoraria que as revistas femininas ainda escrevessem pérolas destas (é certo que de vez em quando escrevem outras ainda piores, mas isso agora não vem ao caso).

terça-feira, outubro 26, 2004

Saudades do Verão

verão



A chuva dá vontade de aterrar no sofá e não sair de lá. Ao lado uma pilha de livros por ler. Um CD da Ella Fitzgerald a aquecer o silêncio. E a chuva que continua a cair. É bom, mas traz saudades do céu azul do Verão.

Tempos depois do fim

Ela - Andas com alguém?
Ele - Ando com muita gente, mas nao ando com ninguém. Bom, espero que não entendas que ando na cama com muita gente...
Ela - Mas andas na cama com alguém? Não te pergunto isso para depois ficar a deprimir-me, descansa. Já cheguei àquela fase em que tenho perfeita consciência de que nunca seriamos o casal perfeito.
Ele - Eu sei. Digamos que já tive cama nos ultimos tempos, mas com ninguém que mereça ou justifique fazer isso de forma regular. Apenas necessidade fisica e biologica. E tu?
Ela - Eu não. Uns jantares, umas idas ao cinema, mas mais nada. Prefiro não ir para a cama com alguém só por necessidade fisiológica.
Ele - Eu sei. Mas houve momentos em que tive de o fazer, sob pena de explodir... mesmo mentalmente
Ela - Que desculpa tão imbecil...
Ele - Ninguem mexe comigo. É verdade, já fui para a cama com outras desde que terminámos um com o outro. Mas no final, sabe-me a muito pouco.
Ela - Tenho dificuldades em perceber essa capacidade que os homens têm de desvalorizar o sexo.
Ele - Somos culturalmente diferentes. O que aconteceu não teve qualquer significado para mim. Foi impulso. Necessidade fisica e nada mais.
Ela - Como consegues estar com uma mulher, abraçá-la, beijá-la, aceitar uma intimidade tão forte como a que se tem quando dois corpos se unem, e depois dizeres que não teve qualquer significado?
Ele - Foi apenas uma foda. Nunca te apeteceu fazê-lo?
Ela - Sim, já. Mas depois olhei para a pessoa que estava na minha frente e pensei que ele não merecia isso e que eu também merecia mais.
Ele - Os homens são diferentes das mulheres. Ou da maioria das mulheres, pelo menos.
Ela - São?

domingo, outubro 24, 2004

Rita e Pedro (3)

O Pedro fez ontem 18 anos. Dezoito! Segundo o Código Civil já é maior de idade. "Já não me podem acusar de pedofilia", diz a Rita , a brincar, com um sorriso daqueles de orelha a orelha. Ele abraça-a e sorri também. Como um miúdo, embora não pareça.

Comemoraram com um grupo de amigos dele, todos recém saídos do secundário, e depois passaram a noite juntos em casa de uma amiga dela. Tiveram de acordar cedo, porque era preciso ir buscar o filho da Rita aos escuteiros, mas isso foi apenas um pormenor sem importância.

Ainda não podem dizer ao mundo que estão juntos, porque o divórcio dela continua a correr nos tribunais e não pode arriscar-se a que o marido peça a guarda da criança alegando que ela é uma tresloucada. Com os juizes imbecis que andam para aí, ainda era bem capaz de arranjar um belo dum problema, e não quer perder o filho por nada deste mundo.

A Rita e o Pedro estão jundos há dois anos, mas não são um casal comum, se considerarmos os padrões habituais desta nossa sociedade mesquinha e preconceituosa. Ela fará em breve 35 anos. Ele acabou de comemorar os 18. Ela recuperou, com ele, a capacidade de ver o mundo com os mesmos olhos de há uns anos atrás. Ele ganhou, com ela, uma maturidade pouco comum em alguém da sua idade.

Vendo a Rita e o Pedro juntos, quase é possível voltar a acreditar nas histórias do avô alentejano.

sábado, outubro 23, 2004

A duas vozes

Ela

Estou apaixonada. Isso mesmo: apaixonada. Mas não aconteceu nada, não pensem. Só fomos jantar juntos e ao cinema. Ele é amigo de uma amiga minha, que nos apresentou numa festa. É lindo de morrer, tem um sentido de humor que me faz rir até às ágrimas, às vezes chama-me "menina". E depois, sabem, é mais velho do que eu, já passou dos trinta, não é um miudo qualquer. A minha amiga contou-me que teve um desgosto de amor aqui há uns tempos, provavelmente ainda está a ressentir-se e deve ser por isso que não quer atirar-se de cabeça. Mas, vocês percebem-me, nós mulheres sabemos quando há mais qualquer coisa no ar. Há dias fomos ao cinema e passámos metade do tempo na conversa, sem prestar atenção nenhuma ao filme. Depois ele levou-me a dançar e deixou-me em pânico quando começou a cantarolar as músicas no meu ouvido. O homem é um espectáculo. Só que, claro, tem um problema. Têm sempre, não é? Este não foge à regra. Imaginem que, pouco depois de nos conhecermos, disse-me que está de partida para o estrangeiro. Teve uma oferta de trabalho e é bem possível que não volte a Portugal. Isso pouco me importa. Se for preciso vou. Levo o gato, que dele não me separo, mas vou atrás do homem. Mudo de emprego, mudo de vida, mudo de país. Pouco me importa. Se valer a pena, não quero saber de mais nada. Mas, estão a ver o problema, não estão? Ele é demasiado honesto para começar uma relação assim, quando está de partida. Claro que não lhe disse que estou disposta a ir com ele, não pode adivinhar, mas eu ia, juro que ia. Se descobrisse que é mesmo o amor da minha vida, ia. Sem pensar duas vezes. Sei que tenho de fazer alguma coisa. Tenho de tentar, senão arrependo-me para o resto dos meus dias, mas não sei o que fazer. Não quero que me ache demasiado fácil, tenho medo de ser rejeitada e tenho mais medo ainda de nem sequer tentar.

Ele

No próximo mês vou para São Paulo. Está decidido. Uma oferta irrecusável (basicamente, com o ordenado que me vão pagar, por lá consigo ter uma vida de milionário). E o Brasil é um mundo à minha espera. Lá não há passado (o meu, claro). Só futuro. Porque a verdade é que a Helena não me sai da cabeça. Muitas vezes, mesmo nos sonhos, continuo a lembrar-me do dia em que cheguei a casa e dei com ela enfiada na minha cama com o cabrão do Luis, que por acaso costumava ser o meu melhor amigo. Nunca mais nos falámos. Tirei de lá as minhas coisas nas horas em que sabia que ela estava no trabalho e na última vez em que fui ao apartamente deixei a chave na mesa da entrada e bati com a porta para sempre. Se continuo a pensar nela não é porque ainda a ame, disso tenho a certeza. É porque a odeio. Por isso nada melhor que São Paulo. País novo, vida nova. Bom, há apenas um pequeno problema: a Jú. Conheci-a em casa da Ana e dei por mim a rir como já há muito tempo não me ria com uma mulher. E a flirtar, como já não fazia nem mesmo com a Helena, porque quando passamos a viver com uma mulher parece que nos esquecemos desses detalhes. Apeteceu-me levá-la para a cama, mas também me apeteceu ir ver o pôr do sol no Guincho com ela e preparar-lhe um jantar lá em casa, com uma boa música em pano de fundo. E não, a ideia não era mostrar-lhe a colecção de borboletas. Quer dizer, podia ser também isso, mas não apenas isso. Só que, depois, há a Helena. E há São Paulo. Não sei se estou a passar ao lado de alguma coisa, mas cada vez acredito menos nessas balelas do amor. E o Brasil é um mundo à minha espera. Por isso, em vez de a convidar para jantar, vou apenas despedir-me.

sexta-feira, outubro 22, 2004

As histórias do avô

As histórias que o avô contava terminavam sempre da mesma forma: "Casaram, tiveram muitos meninos e foram muito felizes. Ainda ontem passei lá por casa e os vi. Até me deram um par de sapatinhos, mas eram de manteiga e derreteram-se pelo caminho."

O avô alentejano, sentado à lareira nas noites compridas de inverno, foi quem lhe falou pela primeira vez de belos principes encantados, que montavam cavalos brancos velozes como o pensamento e que salvavam belas donzelas fechadas em torres escuras por bruxas feias e malvadas.

A menina cresceu à espera do seu principe e encontrou-o muitas vezes. Tinha sempre um rosto diferente, nunca trazia o cavalo branco, mas ela tinha a certeza de que o tinha encontrado. Até ao dia em que ele partia, deixando belas lembranças, porque as más não vale a pena guardá-las.

Um dia deixou de acreditar. Mas nunca esqueceu as histórias.

terça-feira, outubro 19, 2004

Eles e o dinheiro


Aniversário do primeiro mês de namoro
Vão jantar fora, ao melhor restaurante da cidade onde ele já fez a reserva há uns dias para assegurar aquela mesa com vista para o rio. Claro que pagará a conta. É um cavalheiro e ela merece. O cartão de crédito está perto do limite do plafond, mas ainda permite escolher aquele vinho reserva especial. De presente, oferece-lhe um perfume carérrimo de que ela anda a falar há dias. Ela mercece. E, depois, ele é um cavalheiro. Por isso também comprou bilhetes para o teatro, uma surpresa para esse fim-de-semana. Foram quase tão caros como o seu precisoso bilhete para o Benfica-Porto, mas que se lixe...

Aniversário do sexto mês de namoro
Mais um jantar à luz de velas (por que raio acham as mulheres tanta graça a essas mariquices?). Desta vez escolhe um restaurante no Bairro Alto. É do tipo tasca, mas depois sempre podem aproveitar e, a seguir, ir até ao Clube da Esquina beber um copo. À cautela, fez a reserva, que elas gostam dessas demonstrações de cavalheirismo, e no caminho compra-lhe uma rosa a um daqueles indianos chatos que as vendem na rua. O jantar é um sucesso, apesar de o ambiente ser um pouco barulhento e, no final, como ela insiste mais uma vez em partilhar a conta, aceita, com ar contrariado. Enfim, também não tem mal nenhum. As mulheres passam a vida a falar em igualdade, não é? Não andaram a queimar soutiens, a reclamar o direito de voto e outras tretas do género? Pois então que seja. Dividam-se as despesas, que assim é que deve ser.

Um ano de namoro
Velas, flores, jantar no Guincho. É um dia especial, porque decidiram ir viver juntos. A casa dela é maior, por isso nesse fim-de-semana mudou para lá as suas coisas. Os livros e os CD já estão arrumados na estante, juntamente com os dela, mas, como nunca se sabe o que o futuro nos reserva, assinou cada um deles discretamente. Decidiram que ele levaria o gato, herdado de uma anterior namorada (pormenor sem importância, que ela nem precisa saber) e negociaram as tarefas domésticas. Num gesto de grande generosidade, propôs-lhe abrirem uma conta conjunta no banco. Amam-se, não é? Vão partilhar as suas vidas, por isso o dinheiro é apenas um pormenor sem importância. Além disso, assim é mais fácil dividir as despesas. Ela ganha um pouco mais do que ele, mas já decidiu não ligar muito a esse pequeno pormenor. É um homem moderno.

Tempos depois
Por que raio comprou ela mais um par de sapatos depois de há apenas uns dias ter gasto 200 euros numas ridículas botas Pablo Fuster? Olha para o extracto do cartão de crédito à beira de uma apoplexia, mas não sabe se lhe apetece ter mais uma discussão só por causa de dinheiro. Na semana passada foi o que se passou, depois de ela ter encomendado 150 euros em compras no Continente on-line. Tentou explicar-lhe que era muito melhor irem ao Lidle, onde os detergentes são baratíssimos e o papel higiénico é ao preço da chuva. Que mania esta, de querer usar folha dupla, quando a simples serve exactamente para o mesmo! Começa a pensar que o melhor é cada um ter a sua própria conta bancária. Se ela ganha tão bem, então que compre o seu próprio papel higiénico de folha dupla mais os cremes para a cara da Clinique. Um homem é um cavalheiro, mas há limites para tudo! Claro que ele próprio há uns dias fez umas melhorias no seu carro, mas um carro é um carro, não é?

Mais tempos depois (meses, anos, depende dos casos...)
Não dá para continuar. A chama apagou-se. A vida é assim mesmo e, como diz o poeta, o amor é infinito enquanto dura. Se soubesse o que sabe hoje, nunca teria aceite casar-se. Se tivessem apenas vivido juntos, sem a porcaria do papel, tudo seria mais fácil. Agora é uma chatice. Ela quer que ele lhe reembolse parte das prestações da casa que pagou nos últimos tempos. Diz que é um bem comum do casal, ou uma merda do género. A coisa complicou-se tanto que o divórcio por mútuo consentimento já evoluiu para o litigioso. Vai gastar um dinheirão com o advogado, mas ela há-de perceber que ele não é nenhum otário. Até teve a lata de lhe exigir que pague uns sofás e uns cortinados novos, porque o gato destruiu os antigos a afiar as unhas. E todos os jantares, cinemas, cafés e malas Prada que ele pagou? quem lhe reembolsa essas despesas? No dia em que separaram os livros e os CD tiveram uma discussão homérica, mas ele saiu-se lindamente exibindo a discreta assinatura que tinha nos seus. Homem prevenido... Nunca mais se mete noutra. Querem igualdade, não é? Pois fiquem sabendo que nestas coisas do dinheiro o cavalheirismo está fora de moda.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Casamentos: o amor paira no ar...

Cena 1

A noiva parece um suspiro no seu vestido de tule. O noivo sua por todos os lados, enfiado no fato e gravata. Na primeira fila dos bancos da igreja, os pais e os padrinhos, aperaltados à altura do acontecimento, trocam olhares de felicidade e emoção. As mães vertem as lágrimas da praxe e os pais, a transpirar por todos os poros, tal como o noivo, olham-se desconfiados, já imaginar como é que, no futuro, vão competir um com o outro nos barbecus de domingo lá em casa. Nas filas mais atrás, família, amigos, namorados e namoradas de amigos, amigas e amigos sem namorados(as) contam os minutos a ver quando é que acabará aquela sauna e desesperam, porque já são três da tarde e só depois da inevitável sessão de fotografias é que poderão atacar o buffet. É Agosto e o amor paira no ar, juntamente com os rebentos dos amigos e familiares que, vá-se lá saber porquê, não páram de saltar e berrar, a insistir que estão fartos daquilo e querem ir lá para fora comer gelados.

Cena 2

Flores por todos os lados assinalam o percurso até à tenda onde o copo-de-água aguarda os famintos convidados. O cisne de gelo já começou a derreter, mas a torre de camarões continua com um aspecto convidativo, se bem que, com o calor, nunca se sabe. À cautela, é melhor passar ao lado da maionese. Os convidados entram e atacam, como se tivesse acabado de chegar a cavalaria. Antes têm de descobrir em que mesa vão ficar, na lista que foi colada na parede, logo a seguir à torre de camarões que entretanto já começou a ruir. Casados para um lado, solteiros para outro. A noiva tratou de tudo ao milímetro, para que, quem foi sózinho, não fique desemparelhado e as amigas solteiras aguardam ansiosas, para ver quem lhes calhou no lugar do lado. Afinal, o amor paira no ar, e nunca se sabe...

Cena 3

Já ninguém aguenta os gritos dos 324 miúdos que correm pela sala. Dois deles já bateram com a cabeça no chão e lá foi preciso recorrer ao gelo que ainda restava do cisne. Um dos convidados bebeu demais e insiste em dizer ao noivo que o melhor é pôr-se a milhas, que o casamento ainda não foi consumado e por isso pode pedir a anulação ao Papa. A mulher dele tenta arrastá-lo para fora, mas ele garante que se soubesse o que sabe hoje era isso mesmo que teria feito. Nas mesas dos solteiros, a coisa não corre muito melhor. A Ana já se zangou com o Paulo, que olhou o tempo todo para as pernas da Rita e a Júlia está toda derretida com o Filipe, que, por sua vez, está a ver se arranja uma desculpa suficientemente plausivel para se pirar dali, como dizer que a avó morreu ou coisa do género. O Pedro, amigo do noivo, ficou ao lado da Joana, amiga da noiva. Ela acha que a amiga se armou em casamenteira quando lhe escolheu o lugar e está amuada e ele não consegue pensar em nada para dizer porque, precisamente na mesa ao lado, está a sua ex-namorada, que veio acompanhada do novo apêndice, um baixinho careca cheio de dinheiro. O amor paira no ar.

Cena 4

Hora do bolo e do champanhe. Fazem-se brindes. As mães voltam a chorar. As tias também. O noivo já bebeu tanto que sobe para cima da mesa e começa a tirar a roupa. A noiva também chora, porque os sapatos novos lhe apertam os joanetes. O padrinho consegue tirar o noivo de cima da mesa e convencê-lo a abrir o baile. A música, tal como o amor, paira no ar. Os miudos, esses já estão no chão, a dormir pelos cantos. O suplício termina lá para as três da manhã. O casamento foi lindo e maravilhoso. No próximo fim de semana há outro. Parece que toda a gente insiste em casar no Verão. Ai, o amor, o amor... É lindo, pois claro. E quem é que não sonha com um casamento de sonho?

terça-feira, outubro 12, 2004

Publicidade enganosa

Já viram aquele anúncio da PT, ao Pacote PT Simples, ou uma treta do género, em que um gajo giro até dizer chega se levanta da mesa do restaurante, vai ter com uma tipa recém saída da Clínica Persona e lhe diz que ela é a mulher mais bonita que já viu na vida e, ali mesmo, pede-a em casamento e ela, obviamente, responde que sim com um sorriso de carneiro mal morto??? (podem respirar que a frase já acabou)

Isto é PUBLICIDADE ENGANOSA:

nem o Nicholas Sparks era capaz de inventar uma coisa destas;

não há homens assim disponíveis;

a Clínica Persona é cara comó caraças (e tem como cliente um tal de Castelo Branco de quem anda toda a gente a falar, o que a torna, obviamente, um sítio onde nunca se deve pôr os pés)

e, finalmente,

falta no anúncio o inevitável anel de diamentes para formalizar o pedido.

É PUBLICIDADE ENGANOSA e a PT devia ser processada!

segunda-feira, outubro 11, 2004

Mudar de nome

Adozinda. Ninguém se chama assim. Que raio de nome. Nem sequer dá para se ter um daqueles petits noms como Tita, Kika, Patucha, Pitucha ou assim, que esses são chiques, não é? Mas Adozinda??!! Só mesmo a sua mãe para se lembrar disso. A sua mãe, que quando ela nasceu era empregada doméstica de uma família riquissima de Cascais, mas que desapareceu pouco depois, deixando-a em casa dos senhores. Teve sorte, porque estes acabaram por tomar conta dela e adoptaram-na.

Adozinda cresceu no meio do luxo, frequentou bons colégios, fez férias na neve desde que se lembra e tem montes de amigas fantásticas e igualmente ricas e chiques. Com nomes como Tita, Kika, Patucha e Pitucha. Claro que nunca contou a nenhuma delas quem foi a sua mãe biológica.

E, no entanto, o problema sempre foi o nome. Na escola corava cada vez que a professora fazia a chamada. "Menina Maria Adozinda Amorim Saraiva da Cunha?" E ela, muito baixinho, "Presente", sempre infeliz com o raio do nome e sempre a amuar quando algum dos amiguinhos lhe chamava Adozinda. E faziam-no frequentemente, claro, porque sabiam muito bem como ela o odiava.

Aí pelos 14 anos descobriu por acaso que se quisesse podia mudar de nome. Fugir dele. Esquecê-lo, tal como queria esquecer que tinha tido uma mãe com tão mau gosto para lhe pôr um nome daqueles e que, para além de ser empregada doméstica, ainda tinha tido o desplante de a abandonar.

A ideia nunca lhe saiu da cabeça. Quando se candidatou ao primeiro emprego omitiu o "Adozinda" do CV e tratou de descobrir o que tinha de fazer para corrigir o malfadado Bilhete de Identidade. Preencheu papelada, passou horas e horas enfiada no Registo Civil, esperou meses pelo despacho assinado por um qualquer funcionário público idiota que de certeza passava os dias a jogar computador em vez de tratar do seu urgentíssimo pedido.

Finalmente, há uns dias, pôde concretizar o seu sonho. O despacho chegou e, agora, o seu BI exibe apenas um chiquérrimo "Maria Amorim Saraiva da Cunha". Foi um peso que lhe saiu de cima. Um pedaço do seu passado que foi apagado. Agora pode ser feliz. Encontrar um marido rico e de uma família do mesmo nível da sua, ter vários filhos lindos e maravilhosos, viver numa linda casa com piscina e doze quartos e ter a vida cor-de-rosa com que sempre sonhou.

Quanto à mãe, a verdadeira, que era empregada doméstica, nunca pensa nela. Bem, às vezes pensa, mas apenas para concluir que não quer saber quem é. Provavelmente continua a fazer limpezas em casa de alguém e o seu futuro marido, que ainda nem conhece, não havia de gostar nada disso.

domingo, outubro 10, 2004

A duas vozes

Ele

Fez-me esperar 20 minutos em frente à estúpida montra da Benetton cheia de coisas caríssimas que eu nunca na vida hei-de usar. Vi os preços umas 50 vezes e à falta de melhor, pus-me a observar quem entrava e saía da Brasileira e os parzinhos sentados na esplanada. Tinha decidido que de hoje não passava. Estou farto de tantos cinemas, cafés ao fim da tarde e idas a exposições de fotografia que já me parecem todas iguais. Às vezes apetece-me simplesmente beijá-la ou dizer qualquer coisa inteligente, daquelas que é suposto dizer nestas alturas, mas nunca me sai nada. Somos amigos há anos, mas ela parece nunca ter percebido que me apetece passar essa fronteira e perceber o que poderia haver para além disso. Mesmo quando eu tinha namorada e ela andava com alguém e até trocávamos confidências sobre as cara-metades, mesmo nessas alturas às vezes dava-me aquela vontade de a beijar e de mandar tudo para o caraças. Se calhar o problema é esse. Se calhar, depois de acontecer, perdia todo o interesse. Mas enfim, não há como experimentar. O pior é esta coisa de termos de ser nós a tomar a iniciativa. Há vezes em que a coisa não funciona. Os clichés do tipo "como é que uma miuda como tu está sózinha" ou outra idiotice do género acompanhados de um daqueles olhares à matador servem lindamente para um daqueles engates no Lux, quando já vamos no terceiro ou quatro copo. Com ela não funciona. É demasiado escorregadia. E hoje, mais uma vez, não funcionou. Cada vez que me tentava concentrar na frase fatal que iria dizer e que iria finalmente mudar tudo, lá desatava ela a falar do último livro que leu, de um filme idiota qualquer ou do último restaurante a que foi. Não deu. E venham dizer-me que ser homem é fácil, que basta querer dar uma queca e pronto. O tanas!!!

Ela

Estive quase a telefonar-lhe à última da hora a dizer que não ía, mas achei que era cobardia e fui na mesma. Somos amigos há anos, às vezes ficamos sem nos falar durante uns tempos, mas depois há sempre um que telefona ao outro e lá vamos pôr a conversa em dia. Quando nos conhecemos ele tinha uma namorada, com quem estava à beira de terminar e eu estava há dois anos com um pseudo namorado que só aparecia quando lhe dava na real gana. Curtimos as mágoas um com o outro e já aí desconfiei que havia ali qualquer coisa no ar. Essas coisas percebem-se, não é? Entretanto mandei o namorado às urtigas, ele também acabou com a namorada e eu cheguei a pensar que valia a pena tentarmos qualquer coisa. Só que ele sempre se comportou como um daqueles adolescentes que não sabem o que hão-de dizer, e a coisa ficou por ali. Modernices à parte, a única vez em que fui eu a dar o primeiro passo saí-me muito mal, por isso nestas coisa prefiro ficar no meu canto, a ver no que dá. O mais engraçado é que passo a vida a provocá-lo, mas depois nunca acontece nada. Desconfio que por vezes até sou um bocadinho cruel nas minhas piadas, mas sempre que me palpita que ele se vai sair com qualquer coisa embaraçosa, sai-me um disparate qualquer e acaba-se logo o clima. Se calhar, para eles às vezes a coisa também não é assim tão fácil. Ou então, sou eu e mais o meu subconsciente convencidos de que é melhor não estragar uma boa amizade...

sábado, outubro 09, 2004

Dúvida existencial

É ou não possível continuarmos a ser as melhores amigas dos nossos ex-namorados?

A pergunta é pertinente. Aposto como muita gente responde logo que sim, que lá porque o amor se acabou isso não quer dizer que não continuemos a gostar um do outro e outras palermices do género.

Nop. Nada disso. Que graça tem telefonar ao ex de manhã só porque nos apetece ouvir-lhe a voz? Ou ligar se acontece alguma coisa importante, por exemplo termos conhecido um tipo fantástico, com um metro e oitenta e olhos verdes? Ou ainda contar-lhe que andamos a fazer terapia porque depois de o amor se ter acabado achamos que somos as mulheres mais miseráveis do mundo e que nunca ningém vai voltar a gostar de nós?

E há mais: à medida que o tempo vai passando, lembramo-nos daqueles pormenores irritantes, como o facto de o ex espetar o mindinho quando pegava na chávena do café ou de dizer palavrões na frente da nossa mãe ou ainda outras coisas que, por terem contornos mais intimos não vale a pena falar aqui.

A verdade é que não se passa do amor e da paixão para a simples amizade. É possível que ao fim de uns bons tempos (uns anos ou apenas uns meses, para quem tenha memória mais selectiva), sejamos capazes de lhes voltar a telefonar no aniversário ou no Natal, mas essa coisa da amizade pós-tampa é uma bela de uma treta. E mesmo que a coisa até tenha acabado de comum acordo, há sempre algo que falta, que se perdeu, e uma ponta de hipocrisia nos telefonemas que insistimos em manter ou nos encontros inesperados, quando, por exemplo, nos cruzamos na rua com o ex todo derretido com outra gaja qualquer ao lado. Não dá.

Eu por mim, da última vez que me aconteceu um desses encontros imediatos de terceiro grau, a única coisa que me ocorreu dizer, depois dos beijinhos, apresentações e sorrisinhos, Foi qualquer coisa do género: "Meu Deus! Engordaste para aí uns vinte quilos no último ano! E estás com muito menos cabelo! Deixaste de usar aquelas ampolas da Dercos?" Digamos que nos despedimos muito rapidamente, o meu ego ficou tão cheio que mal conseguia passar pela porta do metro e esse meu ex nunca mais me telefonou no aniversário nem no Natal.

sexta-feira, outubro 08, 2004

Outono

Hoje havia núvens brancas a voar sobre o céu azul de Lisboa. Turistas passeavam no Chiado e a fotografavam-se junto à estátua de Pessoa. Sacos de plástico dançavam pelas ruas. Os senhores da câmara começaram a instalar as iluminações de Natal. A velhinha sem dentes e de cabelos cinzentos até meio das costas, que sempre me faz lembrar da minha avó Teresa, continuava no seu posto, à entrada da Bénard, de mão estendida. Mesmo na miséria, Lisboa ainda sorri.

sábado, outubro 02, 2004

Ao Sul

luidgi



Gosto de ti, mesmo que às vezes me esqueça de te dizer. Quando vamos ver o pôr-do-sol no Chiado?

Saudades das férias

pontevedra



Porque é que voltar ao trabalho é sempre tão cansativo?

sexta-feira, outubro 01, 2004

Jantar

Desta vez foi na casa dele. Decidiu finalmente aceitar o convite porque não há melhor maneira de conhecer um homem do que vê-lo no seu mundinho pessoal, no seu próprio ambiente. Recebeu-a de avental e varinha mágica em punho, ainda ocupado em preparar a sopa. A mesa estava posta com todos os cuidados, o menú foi escolhido a dedo e não havia nada fora do lugar, a não ser no escritório, onde se amontoavam jornais e revistas numa colecção irracional.

Não a deixou fazer nada, a não ser escolher a música. Ao lado do prato um presente há muito prometido: o último livro do seu autor favorito.

Ficaram horas a conversar. Trabalho, claro, as férias terminadas, os amigos comuns, a última entrevista de Bagão Félix, as peças de teatro que ambos querem ver, os filmes que perderam no cinema por pura falta de tempo, os últimos livros que leram.

A amizade faz-se destas pequenas coisas, não é? De horas e horas de conversa sobre tudo e sobre nada. O jantar perfeito, até surgir a pergunta fatal: que perfume estás a usar? Não é uma pergunta inocente quando o olhar que a acompanha vem carregado de muitas outras perguntas e os lábios começam lentamente a juntar-se.

Estava terminado o jantar. A fronteira entre a amizade e a importância do perfume começava pouco a pouco a desvanecer-se e a confundir-se. Era hora de voltar para casa.