quarta-feira, setembro 20, 2006

Água na boca

terça-feira, setembro 19, 2006

Empresa

Dez a doze horas seguidas na empresa. Pilhas de papeis à frente, dezenas de relatórios para escrever, outros tantos telefonemas em atraso. A rentrée está a dar comigo em doida. Chego a casa e mal consigo jantar um chá e torradas antes de me enfiar na cama, indiferente à roupa para passar que se acumula ou ao pó que já permite escrever nas prateleiras. Às vezes pergunto-me para que serve tudo isto. Os almoços a correr em 15 minutos, dez ou doze horas por dia na empresa, um mês de férias no verão, metade em stress porque não consigo descansar e a outra metade em stress a antecipar o regresso ao trabalho. Pergunto-me para que serve tudo isto, se chego ao fim do mês com a conta bancária a zeros e o cartão de crédito no limite, graças às idas à Zara nos dias em que consigo uma hora inteira de almoço. Pergunto-me, e não tenho resposta, mas lá vou, todos os dias, obediente, mecânica, vinte minutos para lá, vinte minutos para cá, sempre pelo mesmo trajecto, a pé para evitar no Metro os olhares dos outros, como eu, a caminho da empresa, a sonhar com o Verão do ano que vem, cada dia que passa um a menos no calendário, a caminho do Algarve em Agosto. Se calhar um dia as coisas mudam. Se calhar. E é a contar com isso que, às sextas feiras, faço um desvio e vou à papelaria da esquina meter o euromilhões. No dia em que me sair compro uma viagem para a China e vou-me embora.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Medo

Sei que ando desaparecida, que deixei de atender o telemóvel e não respondo às mensagens dos amigos. Mas tem de ser. Como posso enfrentá-los agora e explicar-lhes que voltei para ele, que não apresentei queixa na GNR e que aceitei passar uma borracha em cima daquela noite e fingir que nunca aconteu? Sei que não compreenderão, por isso ando desaparecida. Talvez acabem por se esquecer e um dia destes voltem a convidar-nos aos dois e às crianças para jantar, como antes costumavam fazer. Até lá não responderei aos telefonemas, porque assim é mais fácil e não terei de dar explicações. As marcas desapareceram-me do rosto e já não as vejo lá quando me olho no espelho, o que ajudou a esquecer. Também já não sinto dores nas costas no sitio onde ele me bateu e há noites em que, quando nos deitamos ao lado um do outro e desligamos a luz, imagino que tudo não passou de um sonho mau, como aqueles que tinha quando era miuda e o meu pai fechava a minha mãe na cozinha e discutiam até de madrugada. Sinto-o ali, adormecido, a respiração calma de uma consciência leve, e ponho-me a pensar se não terei mesmo sonhado tudo. Se calhar foi por isso que deixei passar o prazo para apresentar queixa, apesar de a GNR me ter aconselhado a faze-lo quando veio cá a casa a meio da noite, depois do telefonema da vizinha do lado. Se calhar foi por isso, ou então foi porque me faltou a coragem de ter de contar ao mundo que sou mais uma que apanha do marido, a coragem de mandar tudo ao ar, de perder a casa acabada de comprar e a vida de todos os dias, com os seus caminhos certos e familiares. Passou um mês, a realidade já se confunde com os sonhos e ao vê-lo aqui ao meu lado, adormecido, respiração suave de consciência leve (ou de falta dela), decido mais uma vez que não atenderei telefonemas nem responderei a mensagens. Porque se nem sou capaz de explicar a mim própria porque voltei para ele, como conseguirei contar aos amigos?

sexta-feira, setembro 01, 2006

18 anos

Estou gorda. Uns cinco quilos a mais, na melhor das hipóteses. Já nem olho para mim no espelho, não vá descobrir mais uns gramas no rabo ou outro pneu na barriga. E isto não é fácil. Qualquer dia estou como a minha avó, que só se despia no escuro, não porque fosse gorda, mas porque achava que essas coisas são para se fazer com discrição e ninguém tem nada que assistir. Nem sequer o espelho. O meu problema é outro. O meu problema é o namorado 18 anos mais novo, que está cada vez mais giro e com tudo no sítio. Quero lá saber que ele não ligue a isso e que só me chame gorda porque é como os miúdos e sabe que isso me irrita. Quero lá saber que ele me diga que gosta de mim como no primeiro dia, quando entrou pela minha casa dentro, vindo do andar de cima, e disse que não ia passar nem mais um dia sem mim. E como no dia em que saiu de casa, quando fez 18 anos, e disse à mãe que ia viver com a vizinha do rés-do-chão, que costumava ser a melhor amiga dela. Estou gorda e tremo só de pensar que no fim-de-semana vou para a praia com ele e com os amigos dele e com as namoradas dos amigos dele, recém-saídas da adolescência, magras como modelos de revista, a apregoar bikinis último modelo sem problemas existenciais. Estou gorda e só me lembro disso quando ele fica com os amigos até às seis da manhã e me entra cama a dentro, a dizer que voltou porque de repente lhe deram as saudades. Estou gorda e estou zangada comigo e com o mundo, porque não me posso dar ao luxo de estar gorda e de vez em quando sonho com o dia em que ele sai e já não volta, embora me jure a toda a hora que isso nunca acontecerá.