domingo, janeiro 30, 2005

Kátia Vanessa.

Nunca pensei que me acontecesse uma coisa assim. O maior desgosto da minha vida, acreditem. Tinha tudo tão bem programado, os biquinis, os óculos de sol, o protector solar factor 130, o livro do Dan Brown (fica sempre bem levar uma grande obra literária na carteira, não é?), enfim, tudo pensado. Até gastei um dinheirão nuns calções e num top da Quebra Mar, que afinal não é todos os dias que uma rapariga tem a oportunidade de participar na Copa del Rey. Bem, na verdade o que eu ia mesmo fazer era navegar num barco que ia acompanhar a regata, mas tecnicamente é quase a mesma coisa, não é? Ia ser o dia mais excitante da minha vida, por isso não me conformo... E começou tudo tão bem! Quase desmaiei quando Sua Majestade apareceu no Real Club Náutico de Palma de Mallorca, rodeado de guarda-costas e de senhoras espanholas de sangue azul encavalitadas em saltos de cinco centímetros, vestidas a rigor, como se fossem assistir a uma vernissage qualquer e de máquinas fotográficas em punho a ver se apanhavam um instantâneo do Rei. Tão emocionante, Jesus!! E eu, timidamente, a puxar da Kodak, a pensar que a Rute e a Soraia nunca iriam acreditar naquilo. A seguir, falhei o Príncipe por poucos minutos mas não fazia mal, tínhamos o dia todo pela frente, havia de arranjar maneira de me aproximar, de o cumprimentar, de lhe sorrir. Quem sabe se não conseguiria até trocar algumas palavras com ele, lindo de morrer, másculo e elegante, a velejar com a segurança de quem já nasceu rico. Bom, fazia sentido, não é? Fazia, pois, não fosse o malvado do barco tremer tanto que mal consegui pôr o protector solar na cara. Ao fim de dois parágrafos do Código Da Vinci comecei a pensar que muito provavelmente o melhor era deitar-me na primeira espreguiçadeira e não me mexer um milímetro que fosse. Entretanto, a regata acontecia à minha volta. Contaram-me depois que Filipe de Bourbon, o próprio, passou várias vezes pelo nosso barco. Ele e mais de 50% do jetesete espanhol, entre participantes e acompanhantes. Passaram-me literalmente ao lado. Todos. Seis horas depois, completamente esturricada do sol, arranjei finalmente coragem para me mexer. O barco estava ancorado numa pequena baía e na praia, à distância de poucas braçadas, toda a regata lanchava na praia. Toda, estão a ver? Incluído a realeza e os belos dos guarda-costas. Claro que tens de lá ir, Kátia Vanessa, disse para mim própria, por isso reuni as energias que me restavam, pus um bocadinho de base para disfarçar o verde do enjoo e mergulhei elegantemente com o meu bikini maravilha que a Beta me trouxe do Rio. Foi o fim. Três braçadas depois e já eu estava a achar que morria, com o estômago em fanicos, incapaz de mexer mais um musculo e a ver a praia cada vez mais longe. Vai daí, o instinto de sobrevivência falou mais alto e subi para o veleiro mais à mão, dos muitos que estavam por ali ancorados. Subi e entrei por lá a dentro, perante o ar de estupefacção de uma elegantérrima família espanhola (estou capaz de jurar que já vi aquelas caras na Hola...), a vomitar furiosamente à frente da mesa onde eles, todos animados, faziam o belo do lanche. Poupo-vos os pormenores... Foram uns cridos comigo, juraram que também já tinham mareado, uma vez ou outra, e fizeram-me companhia até que alguém me foi buscar porque eu, naturalmente, recusei-me terminantemente a voltar a pôr um pé que fosse na água. Já se passaram uns meses, mas ainda hoje não consigo engolir a humilhação. Claro que não contei nada à Soraia nem à Rute nem a ninguém, mas estão a ver, não é? Era a minha grande oportunidade de conhecer pessoas fantásticas e maravilhosas e estraguei tudo. Era a minha grande oportunidade de trocar umas palavras com o príncipe (ou com algum dos guarda-costas dele, todos lindos de morrer), e perdi-a vergonhosamente. Com a fúria que me deu atirei o Código Da Vince borda fora, que não queria nada que me trouxesse más lembranças (agora estou a ler um fantástico, da Margarida Rebelo Pinto) e só guardei a top da Quebra Mar porque tinha sido caríssimo e uma rapariga não se pode deixar levar pelas emoções, mas ainda hoje choro quando abro a Hola, que continuo a comprar todas as semanas. Agora ando a treinar lá no ginásio, naquelas máquinas de remo, a ver se me habituo, que em 2007 temos em Cascais o Campeonato do Mundo de Vela, e nunca se sabe...

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Morrer de amores

Estou muito preocupada, sabe... O meu filho não é um rapaz qualquer. É licenciado em relações internacionais, trabalhou no estrangeiro, em Londres e Nova Iorque, é muito inteligente, até fala inglês, sabe? e fluentemente. Agora apareceu-me em casa e não sei o que lhe hei-de fazer. Foi esta mania dele pelo estrangeiro que o perdeu. Até arranjou uma namorada estrangeira, uma polaca. E andava tão apaixonado, o meu menino. Os olhos brilhavam, parecia que cantava quando falava dela. Depois mudou tudo. Foi na passagem de ano, sabe. A rapariga tinha um nome que nunca consegui aprender, um nome estrangeiro, claro, e nunca a cheguei a ver, porque ela dizia sempre que não podia acompanhá-lo na viagem até Lisboa. Mas ele já conhecia a família dela, os amigos, tinham ido a Varsóvia, acho que é a capital, não é? e tinha gostado muito. Cada vez estava mais apaixonado e caiu das nuvens quando na passagem de ano ela lhe disse que não, que desta vez era melhor ele não ir com ela visitar a família. Disse que andava muito cansada, tinha tido um ano muito difícil, e não lhe estava a apetecer fazer de tradutora entre ele e os seus pais. Porque o meu filho, que fala inglês fluente, até tentou aprender polaco ou lá o que é que eles falam lá, mas não teve tempo. E caiu das nuvens, pois claro. Viu logo que aquilo era desculpa dela. Mas ainda ficou à espera, só que ela não voltou e nem sequer lhe respondeu aos zémeiles, apesar de o rapaz passar os dias de volta do computador, a ver se ela dizia alguma coisa. O rapaz apanhou-me um esgotamento e agora não sei o lhe que hei-de fazer. Despediu-se da empresa em Londres e aterrou-me aqui em Lisboa feito num farrapo, sem emprego, sem namorada, sem amor-próprio. E não sai de casa, nem para ir à consulta no Júlio de Matos. Que ele não é maluco, claro, mas é lá que dão as consultas de psiquiatria e foi lá que o mandaram quando o levei às urgências do São José. Agora não sei o que lhe hei-de fazer. Não se lhe mete na cabeça que ninguém morre de amores e muito menos de amores por uma estrangeira qualquer, com um nome que ninguém consegue dizer. Está muito em baixo, o meu filho, sabe... Ando aqui noites inteiras a trabalhar, sempre no táxi, de um lado para o outro, sempre a pensar nele, e tem de ser, porque agora somos três bocas a comer lá em casa e ele está desempregado e é preciso dinheiro para as consultas no Júlio de Matos onde ele não quer ir. Não sei o que lhe faça... É aqui que fica, não é? Olhe, gostei muito de falar consigo, às vezes a gente precisa de desabafar. Aqui tem o seu recibo. Pode preenche-lo depois, com a quantia que lhe apetecer, que o Fisco não liga nada a estas coisas. Boa noite e agasalhe-se que está muito frio.

domingo, janeiro 23, 2005

Sugestão de leitura

Cada vez gosto mais desta editora. A Cavalo de Ferro tem publicado ultimamente pequenas pérolas. Foi por ela que conheci Juan Rulfo e o seu "Pedro Páramo", ou as "Pequenas Grandes Infâmias", do grego Panos Karnezis. A última descoberta foi este "Solo Siciliano", que me levou um belo par de horas deste fim de semana. Hoje à tarde, mergulhada no sofá, munida do belo do aquecedor e dois meus dois gatos favoritos, viajei com Giovanni Chiara até à Sicília, essa ilha italiana que, na paisagem e na dureza das gentes e dos costumes tanto me faz lembrar o meu Alentejo.

Acabei o livro, que tinha iniciado na sexta-feira numa viagem de Metro - as minhas viagens diárias duram exactamente sete minutos e estou tão habituada, que há poucos livros que me façam passar a estação. Este foi um deles.




Posted by Hello

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Blog date

Quando o vírus da gripe não os larga há pelo menos alguns aspectos positivos: com um bocadinho de sorte, arranjamos tempo para pensar noutras coisas. Por exemplo, num certo blog date, proposto há uns tempos atrás.

A ideia mantém-se, mas este mês de Janeiro, que parece nunca mais chegar ao fim, veio cheio de trabalho e ainda não tinha sido possível voltar a falar nisso. Hoje o post é de balanço:

Pré-inscrições

SOFIA (qual é o teu blog, Sofia?)
BEKX (e-jectamos
LENIA (o outro lado da lua ?)
MARGARIDA (margarida atheling)
SANDRA (reflexosss)
PAPOILA e seu rebento (papoila procria)
IDEFIX (ideafix)
CIRANDA e sua Beatriz (ciranda cirandinha)
GRACINHA (cronica feminina)
MOI, MYSELF, naturalmente.

Há ainda um curioso a convencer, o ESTRANHO, do estranho numa terra estranha

Para além de convencer o Estranho e - porque não? - mais ilustres bloguistas, aceitam-se agora propostas para data e local. A nossa Ciranda tem aquele problema de ter de vir da Imbicta, mais a sua pequena, mas para isso se há-de arranjar solução, certo, Ciranda?

Digam coisas. Deixem comments ou mailem-nos, a mim ou à Gracinha, que também é uma das organizadeiras do grande evento.



segunda-feira, janeiro 17, 2005

(des)Encontros

O homem sentou-se na esplanada e esperou. Mais abaixo, na rua, os empregados da câmara tiravam as luzes do Natal. Homens e mulheres passavam por ele, apressados, sem o ver, sem ver. Ao lado, um casal espanhol revezava-se a tirar fotografias ao lado da estátua de Pessoa. Uma mulher vendia cachecóis às riscas e uma velha com um sorriso de menina estendia a mão à saída da Beneard. Ninguém a via. Como não viam a cidade, a nesga do Tejo, o sorriso que uma miuda deixara cair ao passar.

O homem esperou. Nesse dia tudo mudaria. Beatriz viria vê-lo. Chegaria à tarde, no comboio a seguir ao almoço, e encontrar-se-íam ali. Ela traria na mão "A Mensagem", o mesmo livro que os levara a, pela primeira vez, trocarem números de telefone. Ele teria em cima da mesa "O Livro do Desassosego". Assim se reconheceriam, se por acaso não bastasse um olhar para se encontrarem.

Há anos que se correspondem. Ele guarda em casa centenas de cartas com uma letra miudinha. Ela há-de ter outras tantas que ele lhe enviou. Nunca marcaram um encontro, mas ela conhece-o como ninguém. Nos milhares de caracteres que lhe escreveu está a sua vida. Aquilo que é, mas, sobretudo, o que nunca foi, perdido na inércia de um emprego das nove às cinco numa escura repartição pública.

Nos seus sonhos Beatriz é a mulher por quem sempre esperou. A quem pôde contar tudo de si. Com ela já viajou pelo mundo, já visitou a escrita dos grandes poetas, já escutou as melhores árias de Mozart. Tudo nas palavras que enviaram um ao outro. Por isso, no dia anterior anunciou ao chefe que não voltará à repartição. Lisboa será apenas o início de uma grande viagem sem destino escolhido.

Só por Beatriz teve a coragem de se soltar e de querer viver. Por isso espera. E nem nota que o dia vai desaparecendo e que está sentado na esplanada há muitas horas. Não nota que o sol se põe, que a multidão faz o percurso inverso, a caminho do Metro e que os turistas já não se fazem fotografar ao lado da estátua. Também não ouve o empregado que arruma as cadeiras e que avisa que vai fechar. Espera, ainda.

A trezentos quilómetros de distância, Beatriz prepara o jantar para os filhos. O marido chegará a casa daí a pouco e, mais uma vez, sentar-se-á no sofá, a olhar para a televisão. Daí só sairá para ir dormir e ao todo não terão trocado mais de duas frase. Sabe que em Lisboa está um homem à sua espera segurando na mão "O Livro do Desassosego". Chora em silêncio por não ter tido coragem de viver.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Dias

Há dias em que o mundo parece muito pequeno e a vida escorre por entre os dedos. São dias com sol, a cheirar a Primavera, passados num escritório, a produzir milhares de caracteres que serão lidos no dia seguinte e esquecidos de imediato. Dias compridos, quando o que apetece é sentar na esplanada da Benard a ler um livro e a ver o mundo passar.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Luisa

A Luisa tem 37 anos. Fez hoje. Meteu folga no trabalho, foi às compras e jantou com os pais. Alguém lhe mandou um ramo de flores, mas não sabe quem foi porque vinham sem cartão. Já passou revista minuciosa à lista de amigos e conhecidos, mas não imagina quem o terá feito. As flores foram o que de mais excitante lhe aconteceu durante o dia. Depois do jantar irá para casa, onde a esperam a televisão, os móveis encomendados em Paços de Ferreira, as cortinas com flores amarelas na janela da cozinha e mais uma noite em que já sabe que lhe custará a adormecer porque lhe falta muita coisa que não sabe dizer o que é mas que lhe provoca um vazio num sitio qualquer que também não sabe dizer onde fica. A Luisa tirou um curso universitário, mas como nunca conseguiu arranjar trabalho na sua área trabalha como telefonista. Durante uns anos enviou curriculos para todas as empresas das Páginas Amarelas. Depois desistiu. Esqueceu-se do curso que lhe levou cinco anos a terminar, tirou da parede a moldura com o diploma e habituou-se a viver com 150 contos por mês na sua casa com cortinas de flores amarelas na cozinha, que fica nos arredores da cidade e que todos os meses lhe leva quase metade do ordenado. No último Verão foi de férias para as Canárias, um pacote completo, com refeições incluídas, num hotel de três estrelas cheio de turistas ingleses com mais de 70 anos. Adorou. Até ficou com o número de telefone de alguns casais simpatiquissimos que a convidaram para lhes fazer uma visita, mas depois nunca lhes ligou porque a Inglaterra fica muito longe. Já está a juntar dinheiro para este ano ir até à Madeira. Ou talvez ao Brasil, que também é longérrimo, mas uma amiga que já foi disse-lhe que é o máximo. A Luisa esqueceu-se de sonhar. A Luisa não se chama Luisa, mas o nome também não interessa.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

A ouvir...

... Menina das Sete Saias, dos bons tempos dos Trovante. Década de oitenta, suponho. Saudades do Futuro, assim se chama o álbum. A faixa dois é A Outra Margem. Depois as outras todas. Não as ouvia há muito, mas as letras e as músicas ainda lá estão no ouvido. Às vezes é bom recordar estas coisas. As músicas têm história dentro. Trazem pessoas a quem já perdemos o rasto e momentos que foi bom viver. Trazem lembranças de viagens de férias para o Algarve a cantar durante todo o caminho.

(Sim, é verdade, fiz anos e estou um bocadinho saudosista. Mas é uma saudade boa...)

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Ando com vontade de...

... propor um encontro de ilustres bloguistas. Deve ser deformação profissional, mas tenho imensa curiosidade em conhecer algumas das caras por trás do ecran.

Que vos parece a ideia?

sábado, janeiro 01, 2005

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo
Ano Novo cor de arco-íris,
ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação
com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido),


Para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo,
remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas
do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo,
que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come,
se passeia, se ama, se compreende, se trabalha


Você não precisa beber champanha
ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.


Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro
as coisas mudem e seja tudo claridade,
recompensa, justiça entre os homens
e as nações, liberdade com cheiro
e gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo,
eu sei que não é fácil, mas tente,
experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo cochila
e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

Um grande Ano Novo para todos. Cheio de coisas boas, daquelas que não acontecem apenas porque muda a folha do calendário, mas que ganhamos porque as merecemos e porque lutamos por elas. Um abraço para os amigos, para os que aqui espreitam de vez em quando, para aqueles que talvez nunca venha a conhecer mas que, em algum momento, fizeram parte dos meus dias. Um abraço apertadinho e FELIZ 2005!!!