quarta-feira, janeiro 18, 2006

Enganos

Antes não sabia o que isto era. Depois conheci o Vasco e a minha vida deu uma volta de 180 graus. Foi uma paixão arrebatadora, que é aquela palavra que usam sempre nos romances de cordel e que eu achava a coisa mais pirosa do mundo. Mas foi isso mesmo. Conhecemo-nos numa noite de trabalho e de repente já não havia nada a fazer. Havia só o carro onde ele me deu boleia para casa, as luzes no Tejo, no outro lado do vidro, e dois corpos que não se conheciam mas era como se sempre tivessem sido um do outro. Depois foi o regresso a casa, o João a perguntar-me como tinha sido o meu dia, a loiça do jantar para ir para a máquina e o miudo com os dentes a nascer. Foi o regresso ao mundo real, ao aniversário dos seis meses de casamento e à vida de todos os dias que, no entanto, não foi suficiente para me esquecer do Vasco e do fim de tarde junto ao Tejo que havia de mudar para sempre os meus dias.

Antes não sabia o que isto era. Achava que só se podia amar uma pessoa de cada vez e que os amores eram eternos. E afinal não são. E acontecem assim, quando andamos desprevenidas, enchendo-nos a cabeça de sonhos e o telemóvel de SMS que é preciso apagar imediatamente, não vá o João lembrar-se de os ir espreitar.

E eu, que sempre jurei que não era capaz de mentir, de enganar e de fingir desta maneira, descobri que sou uma actriz e que sou capaz disso e de muito mais. Só não sou capaz de dizer ao João que acabou e de dizer ao Vasco que quero ficar com ele para sempre. Porque não quero ficar sem nenhum dos dois, mesmo sabendo que estou no meio de uma fogueira que às vezes nem me deixa respirar.

domingo, janeiro 15, 2006

Dúvida existencial

Como é que raio se arranja maneira de falar com a ex do nosso namorado sem se ser cínica, hipócrita e lhe desejar, em segredo, uma pequena desinteria de uma semana inteira?

[eu não sou uma má pessoa. Juro que não, apesar de não parecer...]

sábado, janeiro 14, 2006

Segredos

É estranho descobrir o blog de alguém que quer manter segredo sobre o que escreve.

Primeiro calamos o grilo falante da nossa consciência com a inevitável teoria de que quem quer cultivar segredos destes, o melhor que tem a fazer é comprar um caderno e, à moda antiga, escrever para a gaveta. Afinal, um blog é, por definição, um sítio público, onde pode ir quem os acasos da net lá levar. É verdade, é assim mesmo, o grilo falante está cheio de razão.

Depois, o bichinho da curiosidade é mais forte. O grilo falante é comodamente arrumado na gaveta e o blog é lido e relido, dissecado até ao mais infimo pormenor.

Comigo foi assim. Dos milhares de blogs que existem, fui parar àquele por vias não tão travessas como isso, porque o acaso deu uma ajuda e a minha melhor amiga deste ciberespaço assentou o golpe final e passou-me a informação. Não me sinto muito orgulhosa por isso. Senti-me, até, uma intrusa a ler aquele quase diário. Quando lá comecei a descobrir referências a pessoas e situações que me são próximas a curiosidade subiu de nível e já não havia nada a fazer.

O resultado foi surpreendente. A pessoa do blog nada tem a ver com a outra, a que eu conheço e com a qual embirro por razões que agora não vêm aqui ao caso. É alguém que escreve bem. Que lê livros que eu também leio. Ouve as músicas de que eu gosto. Tem sonhos, medos, alegrias e tristezas como qualquer um de nós. Se não a conhecesse de lado nenhum, teria gostado dela e seria alguém de quem, facilmente, conseguiria ser amiga.

Senti-me uma intrusa, mas senti-me também pouco feliz por todas as minhas teses firmes e teorias profundamente construídas com base na meia realidade que conheço. Gostei do blog e deixei-o nos favoritos. Continuo a não gostar do seu autor, mas comecei a vê-lo com outros olhos. E com mais tolerância.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Lisboa que amanhece

A minha casa tem uma janela gigante sobre Lisboa. Vê-se o sol a nascer e a subir pelos telhados, num azul-amarelo-branco que tinge de cor a cidade. Nestes dias acordo feliz. Quando estás comigo as cores ficam mais brilhantes e a Lisboa que amanhece é a mais linda do mundo. Depois fico com medo, porque na minha história as coisas boas nunca duraram muito tempo. Lá fora e cá dentro, as borboletas continuam a esvoaçar.

sábado, janeiro 07, 2006

Fim por SMS

"Comigo assim não dá", escreveu ela. "Como queiras", respondeu ele. No mundo moderno das SMS, acabaram assim, na véspera de ano novo. E nunca mais voltaram a falar. Ela porque só de pensar nisso lhe dá vontade de chorar, ele não se sabe bem porquê, porque, pura e simplesmente, desapareceu.

Mas tinha de ser assim. Afinal, eram quatro da tarde do dia 31 e ele ainda não se tinha decidido sobre onde queria ir passar o ano. Se com ela, não importava onde, se com os amigos de sempre, os mesmos de todos os anos, nalguma festa numa discoteca de betos, a beber champanhe francês e a comer tostas com caviar. Bom, decidir até já tinha decidido. Só não lhe tinha dito nada a ela. Por isso, a SMS foi um alívio. Resolveu-lhe os problemas de consciência e já nem precisou de inventar aquela pneumonia que o obrigaria a ir para casa da mãe na noite da passagem de ano (até porque aí ainda corria o risco de ela lhe ir bater à porta, disposta a servir de enfermeira e acabar por descobrir tudo). Assim foi fácil. Ano novo, vida nova.

Para ela também, embora continue a olhar para o telemóvel com o coração nas mãos sempre que recebe uma mensagem. Porque dois meses não se apagam da cabeça com uma bebedeira de ano novo. E muito menos uma vida virada do avesso, o ex-marido que nunca mais lhe perdoou, a ex-sogra que lhe jurou não sei quantas pragas, o cão que ficou com o ex, as fotografias da lua-de-mel na Madeira que se perderam nas mudanças. Ano novo, vida nova e mais um amor infinito guardado na gaveta dolorosa das memórias.