terça-feira, agosto 31, 2004

A duas vozes

ELE

A Sónia é um espectáculo. Estamos juntos há três anos e praticamente nunca discutimos. Estão a ver, aquele tipo de mulher calma, sem problemas, sem dramas? A Sónia é assim. Não me chateia se chego tarde a casa, não arranja problemas com os meus amigos e com as nossas noites de futebol... Até se dá bem com a minha mãe. Um espectáculo. Ultimamente só temos sexo de vez em quando, é verdade. Talvez ela devesse ir ao médico, porque anda com umas dores de cabeça terríveis, que lhe aparecem quase sempre antes de dormir. E também temos saído pouco os dois. Quase nada, aliás... Agora que penso nisso, a última vez que fomos jantar fora deve ter sido há uns três meses, na festa de anos da irmã dela. Também já nem me lembro quando é que fomos a uma discoteca. E a Sónia dança muito bem, um espectáculo... Fica muito bonita quando se veste para sair. Mas, vendo bem, já não a vejo com aquele vestido maravilha há uns tempos. Agora é mais jeans e t-shirt e 'tá a andar. Bem, a verdade é que ela engordou um bocadito nos últimos tempos. Coisa pouca, acho. Não tenho reparado bem... Ao fim de três anos já não se repara muito nessas coisas e de vez em quando é preciso lavar as vistas. Agora temos uma miúda nova lá no escritório que é fã incondicional das mini-saias. Toda descomplexada, um estoiro. Ainda pensei em a convidar para ver o pôr-do-sol no hotel do Chiado, mas achei que dava muita bandeira. O João é mais despachado e já tratou do assunto. Discretamente, claro, para a mulher não dar por nada. Mas eu não. Eu amo a Sónia. Amo, a sério. Acho...

ELA

O Paulo deve estar a chegar a casa, por isso vou enfiar-me na cama e adormecer rapidamente. Teve mais um daqueles jantares insuportáveis, na casa de um dos seus amigos maravilha, a ver futebol ou uma treta do género. Aposto como chega a cheirar a cerveja e a tabaco, como é costume. Depois deixa a casa de banho de pernas para o ar e vem enfiar-se na cama, como se nada fosse. Às vezes passo-me com ele. Mas não digo nada. Não me apetece arranjar chatices. É por isso também que aturo a chata da mãe dele, sempre a dar ordens aqui em casa. É melhor assim. Estamos juntos há três anos e no ano passado ele veio viver comigo. Foi bom, claro. Sempre fui apaixonada por ele, mas tenho saudades do Paulo dos primeiros tempos, sempre tão atencioso comigo, sempre a querer sair para jantar, para dançar, para beber um copo. Agora tem sempre qualquer coisa combinada ou então fecha-se no escritório, agarrado à Internet. Admito que ando a recorrer vezes demais à desculpa da dor de cabeça, mas o sexo já não é tão bom como no início. Há umas semanas comprei uma camisa de noite fantástica e andei a passear-me com ela pela casa à frente dele, mas, degraçadamente, nesse dia o Benfica foi eliminado da Taça dos Campeões e ele ficou tão deprimido que nem reparou. Bem, pelo menos pagou, porque eu usei o seu cartão de crédito. Às vezes apetece-me sair sózinha, conhecer outros homens, provar a mim própria que estou viva. Só que, depois, penso que me falta a coragem para começar tudo de novo com alguém. É demasiado cansativo. Além disso, o Paulo concordou em tentarmos o primeiro filho no ano que vem. E, apesar de tudo isto, apesar de ele já não se interessar muito pelas 329 posições do Kamassutra e de começar a ter uma barriga muito prometedora,eu amo-o. A sério, amo. Acho...

segunda-feira, agosto 30, 2004

Jantar

Saiu para jantar sózinha. Labios vermelhos, sapatos altos, vestido cintado, livro na mão.

(Porque é que as mulheres sentem este receio de se sentar sózinhas à mesa de um restaurante?)

À entrada, o primeiro embate: - Mesa para dois?, - Não. Só para mim, obrigada.

Pouco depois, o segundo: A carta de vinhos não veio e teve de voltar a chamar o empregado que, obviamente, partira do princípio que se limitaria a escolher o vinho da casa.

À volta todas as mesas estavam ocupadas com casais. Aqui um apaixonado par de namorados. Ali uma patrão e sua secretária, mais além um homem e uma mulher que comiam em silêncio como se nada tivessem a dizer um ao outro. Ao seu lado, uma mulher que esbracejava e, em alta voz, chamava nomes à sogra, perante um marido silêncioso que preferia olhar ostensivamente para as pernas de quem entrava.

A seguir às entradas abriu o livro, a sua companhia da noite, convencida de que já toda a gente tinha notado que estava sózinha, que apesar dos labios vermelhos, dos sapatos altos e do vestido cintado, não arranjara quem a levasse a jantar.

Depois, olhou em volta e sorriu. Pensando bem, há mais felicidade em jantar sózinha do que em ter à frente alguém a quem nada temos para dizer. Pousou o livro, saboreou o vinho e pediu a sobremesa mais calórica da ementa.

domingo, agosto 29, 2004

Férias

A Coruña



Há sítios e momentos que nos limpam a alma...

segunda-feira, agosto 23, 2004

Prozac & Xanax

Do alto das escadas, olhou para ele friamente e disse, com a mão cheia de comprimidos tirados ao acado do armário dos remédios, que os tomaria a todos caso ele desse mais um passo. O homem encolheu os ombros e respondeu-lhe que fizesse o que lhe apetecesse. Depois virou-se e saiu calmamente, com a mala na mão. Foi nesse momento que ela meteu na boca os comprimidos. Não sabe quantou tomou mas ainda se lembra de, triunfante, ter descido as escadas até à cozinha porque precisava de água para fazer aquilo descer. Só quando ouviu a filha a chorar no quarto é que percebeu o que tinha feito. E foi também o choro da criança que o fez voltar atrás e descobrir que ela cumprira a ameaça.

A cena seguinte seria digna de um qualquer filme de quinta categoria, com os dois a chorar, ele a prende-la no chão obrigando-a a beber azeite para vomitar, a miuda a chorar pressentindo a confusão que não percebia. Acabou no hospital, já meia adormecida. Dessa parte não se recorda. Só se lembra do regresso envergonhado a casa. O silêncio pesado entre os dois, a mala retirada do carro e levada de volta para o quarto.

No dia seguinte ficou na cama e no outro a seguir voltou à sua vida. Como se nada tivesse acontecido. Nunca mais voltaram a falar no assunto. Ele ficou e não voltou a fazer a mala. Ela toma Prozac e Xanax. Está óptima, diz. Quase feliz, na sua vida perfeita na vivenda com piscina.

sábado, agosto 21, 2004

Janela

Da minha janela vê-se a cidade. Telhados luzes, a ponte, uma igreja no alto de uma das sete colinas. É a coisa mais preciosa que tem a minha casa, contruída há quase 80 anos. Às vezes tento imaginar quantas vidas já passaram por aqui. Quem aqui viveu e se deslumbrou, também, com esta vista sobre Lisboa. Quem aqui viveu, foi feliz ou infeliz, fez amor, teve filhos. Talvez até aqui tenha nascido alguém. A minha casa tem alma. E é minha (ou será, daqui a uns trinta anos, poque entretanto, claro, ainda é do banco).

Aqui, na minha casa, aborreço-me terrivelmente neste sábado à noite em que não me apeteceu ver ninguém e fiquei sózinha com a vista sobre Lisboa.

Coragem

Aqui está uma mulher de armas... Ora toma!

terça-feira, agosto 17, 2004

Jantar de gajas.

Muito agradável...
Sem alcoól, porque havia um menor muito menor no grupo.
70% do tempo a ouvir a recém mamã falar do seu rebento, das mamadas, das fraldas melhores do mercado...
28% do tempo a olhar para o dito rebento que, entretanto, fez o obséquio de acordar e de ofertar às tias babadas uma bela meia hora de choro a plenos pulmões.
2% do tempo a falar sobre as últimas fofocas, ou seja, sobre as amigas que se preparam para engravidar, estão grávidas ou vão parir em breve.
Não há paciência!!!

segunda-feira, agosto 16, 2004

Desespero

- Conheci um brasileiro de Alagoas. Era um fulano interessante...
- Boa!
- Não valia nada, coitado...
- Não sejas exigente. Não se pode ter tudo...
- Eu não sou exigente, mas também não ando desesperada. Há coisas que uma mulher pura e simplesmente NÃO PODE FAZER. Não é porque não queira, é porque não consegue.



domingo, agosto 15, 2004

Telefonema

- Olá miuda, como estás tu?
- Estou bem. É estranho ouvir a tua voz, depois de todo este tempo...
- Que tens feito? Muito trabalho?
- O costume...
- Pois...
- E tu?
- Também...
- (silêncio)
- (Silêncio)
- E que mais contas?
- Nada de mais...
- Nada?
- Estou aqui a ver que o Figo vai deixar a Selecção.
- Vai?
- Sim...
- Inspirou-se no Zidane...
- Pois... (silêncio)
- Vamos falando, então...
- Vamos. Fica bem.
- Tu também...

(São tão estúpidas e vazias as conversas quando se acaba o amor...)

quinta-feira, agosto 12, 2004

A Drinking Song

Wine comes in at the mouth
And love comes in at the eye;
That's all we shall know for truth
Before we grow old and die.
I lift the glass to my mouth,
I look at you, and I sigh

Yeats

quarta-feira, agosto 11, 2004

Cansaço

Nunca conhecemos verdadeiramente uma pessoa. Em boa verdade, também nunca nos damos a conhecer completamente. Sobretudo no início de uma relação, quando ainda vemos tudo com uns magníficos óculos cor-de-rosa. É demasiado cansativo.

terça-feira, agosto 10, 2004

Fotografias

Embrulhou-as em papel celofane e arrumou-as no fundo de uma gaveta. A seguir deitou fora a chave.

segunda-feira, agosto 09, 2004

Fotografia

Tão bonitos que estão os dois. Felizes. Vê-se nos sorrisos. No brilho dos olhos. Na forma como se abraçam. Vê-se, até, na paisagem. No verde das árvores, na luz cristalina da água que reflecte o sol, no som da nascente que desce da montanha e que, pouco antes, viu o amor entre os dois. Estão bonitos. Felizes como nunca voltarão a estar em todas as outras vezes em que ainda se encontrarão. O momento ficou gravado na fotografia. Estático. Ficou para o futuro mas já só viverá nas recordações. Perdeu-se para sempre.

domingo, agosto 08, 2004

"Carta de um leitor"

"Tenho uma resistência pessoal enorme a responder a um blog. Penso apenas o que teria sido de Pessoa ou Eça se tivessem um blog exposto ao 'sufrágio' imediato dos leitores a chegar em chorrilhos de emails! Mas dado que o que partilha me tocou de forma especial, não resisti a deixar-lhe uma mensagem… correndo o risco de cair no ridículo total. Foi algo doloroso rever nos seus posts 'A Duas Vozes' algumas palavras minhas proferidas por 'Ele'. Tenho realizado um tremendo esforço de introspecção e auto-conhecimento para tentar compreender e suplantar estes impulsos que descrevo de imberbes e imaturos. Desta minha ponderação sobre os meus 'Ele' e 'Ela' constato que se um homem não se apercebe das naturais cedências das ilusões de teenager que tem de realizar pela mulher que ama, é provavelmente sinal que, ou não ama realmente aquela mulher, ou então não está genuinamente decidido ou disposto a ceder para o casal e mais tarde voltará a fraquejar... Tangos & Valsas sugere-me o equilíbrio que procuro: encontrar a felicidade num equilíbrio entre o apaixonante e fogoso tango e uma harmoniosa e monótona valsa… Obrigado pelo seu blog. TP"

São assim tão diferentes "eles" e "elas"?
Às vezes quase acredito que não.


Sonhos

Como disse alguém que eu conheço, muitas vezes construímos os nossos sonhos numa grande pessoa, mas depois, o tempo passa, e descobrimos que grandes eram os sonhos e não a pessoa. A vida, essa não pára...

quinta-feira, agosto 05, 2004

Sem equívocos

Uma história de amor na blogosfera....

quarta-feira, agosto 04, 2004

Rita e Pedro (2)

Do alto dos seus 17 anos, ele trata-a como a uma princesa. Até lhe chama princesa. Grava-lhe CD cheios de músicas românticas, deixa-lhe papelotes a dizer "amo-te", compra-lhe flores sem razão e, os dois, passam horas a sonhar com o que vão dizer ao mundo quando, finalmente, ele fizer 18 anos. Se for preciso fugirão juntos, viverão numa cabana da praia, serão felizes para sempre. Ela sente-se a viver noutro planeta e todos os dias diz a si própria que ficar com ele foi a melhor coisa que lhe podia ter acontecido. Porque sabe que os homens da sua idade, os qué têm 35 anos, um emprego seguro, um carro, uma casa de férias com piscina, ou os que não têm mas querem a todo o custo ter, esses perderam a capacidade de sonhar e de lhe chamar princesa depois de dois anos de namoro.

A duas vozes

Ela

Não voltámos a falar-nos desde a última "conversa séria". Sinto a falta dos seus telefonemas diários mas mergulhei no trabalho e limito-me a não pensar. É mais fácil do que parece. Leio imenso, oiço as minhas músicas, hoje tive amigos em casa a jantar. Distraio-me a pensar nas férias, passo horas ao telefone com as minhas amigas maravilha que sabem que fiz o que tinha a fazer e que insistem em me dizer que estou melhor assim. Acabaram-se as lágrimas.

Ele

Acabaram-se os telefonemas diários e afinal nem me fazem tanta falta como isso. Até porque combinámos que acima de tudo ficamos amigos e por isso sei que quando me apetecer posso ligar-lhe à vontade. Já não me sinto oprimido, sempre a pensar que não podia estar com quem bem me apetecesse porque a estaria a trair. Por isso mesmo, tenho saído todas as noites, na minha, sem obrigações de mandar mensagens de boas noites. Quecas há muitas e nenhuma vale mais do que esta liberdade de as dar com quem me apetecer sem ser obrigado ao inevitável telefonema do dia seguinte. De vez em quando tenho saudades, admito, mas isto passa. Aposto que passa até ao final do verão.

terça-feira, agosto 03, 2004

(in)finitudes

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

domingo, agosto 01, 2004

Mandas-me a foto?

Manda-me aquela fotografia que tiraste com o biquini novo, o vermelho, aquele que eu não conheço, manda-ma para te poder ver aqui mais perto, para quase te poder tocar e fazer de conta que estás aqui, que vieste ver-me, que nada disto aconteceu e que continua tudo como dantes, eu aqui, tu aí, juntos de vez em quando, sem compromissos, sem ter de contar aos amigos, de modo a que eu possa continuar com a minha vida de solteiro que ando a curtir há quase um ano e que não quero perder. Manda-me aquela foto em que estás tão gira, aquela do biquini vermelho, e vamos esquecer que quiseste acabar tudo por eu te dizer que não quero casar, não quero ter filhos, não quero compromissos. Eu gosto de ti, sabes, és muito importante na minha vida e por favor não me digas novamente que importante é também o meu cão de quem também gosto muito, claro, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. Gosto de ti, tenho muitas saudades tuas, de estar contigo e de fazer amor contigo, só que ainda não estou preparado para mais. Mandas-me a foto?