domingo, março 25, 2007

Amanhã

O pior é quando a coisa escapa ao controlo. Começa com um xanax, um prozac de manhã, outro ao almoço, os meses vão passando e transformam-se em anos, depois já é preciso também tomar qualquer coisa para dormir melhor e às tantas a oferta torna-se irresistível e o caminho, laboriosamente aberto, já não tem volta.
A partir daí, começa o longo rol de mentiras. Porque é preciso explicar o nariz sempre a pingar numa eterna crise de alergias primaveris, é preciso justificar porque é que foi preciso ir à conta conjunta que só é suposto usar para pagar as compras lá de casa, é preciso arranjar uma boa desculpa para as súbitas saídas nocturnas para comprar cigarros que afinal demoram mais de duas horas.
Depois, há um dia em que se lhe acende uma luz na cabeça, depois de um desmaio no chão da casa de banho do qual acordou com o miúdo a chorar ao lado porque não consegue tirar as peças do lego que enfiou na sanita.
Acende-se uma luz e vê o que lhe anda a escapar há muito tempo: o filho que vai para a cama sem tomar banho, o nariz num estado vergonhoso, a pela a envelhecer precocemente, o cabelo numa lástima. E vê também que a coisa lhe escapou ao controlo. Que a força que sempre pensou ter para parar quando quisesse, afinal era pura ilusão. Não a tem. E não consegue parar.
Pega no telefone e liga-lhe mais uma vez. Arranjas-me para logo à noite? Ok, passo por tua casa. Amanhã paro. Amanhã é outro dia.