sábado, julho 31, 2004

Cartomante

(n.b.: ler com sotaque brasileiro, vertente nordestina)

Tou vendo aqui, minha filha, seu Orixá é Iansan, mulher de Xangô, Orixá das tempestades, quer dizer que você é uma tempestade de sentimento, viu? e isso tem efeito directo no amor, minha filha. Deixa eu ver aqui... tem um homem na sua vida, não tem? Tou vendo que sim, mas olha, esse daí é uma passagem, vocês dois têm uma relação muito forte, muito acentuada, mas tou vendo aqui outra mulher que ama ele. Ele não é o homem da sua vida, eu tenho certeza, ele te admira muito, tem você como uma grande amiga, mas tem o coração fechado e não quer se envolver. Ele teve um desgosto, está se desligando de um passado e agora ele não quer se juntar com ninguém, está na fase de tudo lhe aborrecer, mas também o principal que eu vejo aqui é que ele não é mesmo o homem da sua vida. Você pode lutar por ele, mas não é, isso eu lhe garanto, minha filha. Vocês vão se separar, ele vai voltar a lhe querer, mas aí talvez você é quem não vai querer.

quinta-feira, julho 29, 2004

Telefonema

- Olá!... Estás aí?
- Sempre estive aqui.
- Já voltei.
- Eu sei.
- Tive saudades tuas.
- Porque não me telefonaste a dizer isso durante estas quatro semanas?
- Porque me queria esquecer. De ti e de tudo. Do trabalho, do País, das pessoas.
- E conseguiste?
- Sim. Até ontem, quando atravessei a fronteira.
- Eu também me quis esquecer de ti.
- E conseguiste?
- Ainda estou em estágio. Mas vou chegar lá.
- E desculpas-me?
- Desculpo, mas vou continuar a esquecer-te. Mesmo sabendo que nunca o conseguirei.

Pergunta

Porque é que as agendas não funcionam e os planos saem sempre furados??

quarta-feira, julho 28, 2004

Agenda para amanhã

8:00
Ginásio (não ponho lá os pés há três meses, mas isso agora não vem ao caso)

10:00
Pequeno almoço numa esplanada a olhar para o Tejo e com todos os jornais na mão. Ficar lá até que apeteça e depois espreitar o que ainda resta dos saldos.

16:00
Praia, praia, praia!!

20:00
Casa. Trazer um filme do clube de vídeo.

n.b: Resistir a qualquer tentação que implique fazer telefonemas idiotas. Aos homens há que tratá-los como eles merecem, já dizia a minha avó. O único probleminha, é que o meu horóscopo garante que vou andar com uma vida sexual muito agitada nos próximos dias e os astros nunca se enganam, como toda a gente sabe...

 


terça-feira, julho 27, 2004

Catarina

Há dois anos, talvez três, foi ao médico pela primeira vez. Achou que estava grávida, mas trouxe uma desilusão para casa. Tinha um problema hormonal que era preciso resolver. Só o marido ficou feliz, aterrorizado perante a hipótese de mais uma criança para alimentar com o que lhe paga o patrão pelas 12 horas de trabalho nas obras sem direito a segurança social. O "problema hormonal" levou-a a várias ecografias, mamografias e afins, exames médicos com nomes impronunciáveis no seu vocabulário curto de cabo-verdiana recém-chegada a Portugal. Muitas idas ao médico, às urgências, empurra para cá, empurra para lá, alguém acabou por lhe dizer que tem quistos nos ovários, que não se sabe bem a dimensão dos ditos e que tem de ser operada. Marcaram-lhe a próxima consulta para daqui a dois meses - e já vai com sorte - a menos que arranje maneira de ser tratada numa clínica que, por mero acaso, claro, até pertence a um médico amigo do seu médico de família. Catarina espera e desespera, porque entretanto as dores não a deixam trabalhar.
Tenho vergonha de viver num País que trata assim os seus doentes. E quero acreditar que a história da Caty não tem nada a ver com o facto de ela ser imigrante. Não tem, pois não?

domingo, julho 25, 2004

Só estou bem, aonde não estou…

Verão algarvio. 30º, no mínimo, apesar de serem onze da noite. Aqui ao lado, uma banda toca os Jardins Proibidos para uma plateia de holandeses, que não percebe uma palavra, e de casais portugueses com crianças a dormir nos carrinhos e o ar enfastiado de quem tem pouco a dizer ao outro. Chega um grupo de tias de cabelos com madeixas devidamente esticadas, saltos agulha e mini-saias-cinto que deixam à vista a celulite das pernas debaixo de um bronzeado de ferro conseguido desde Maio num solário da capital. Vão bebericando coquetéis que ainda é cedo para ir até ao “T”, que abriu ontem as hostilidades, ou a alguma das badaladas festas da noite algarvia. A banda ataca O Homem do Leme e diz que “uma vontade de ir, nasce do fundo do ser, uma vontade de ir, correr o mundo e partir, a vida é sempre a ferver…”. Está aí a chave. Ir. Partir. Aqui, num aldeamento de luxo, com o mar ao fundo, 30º às onze da noite, apetece partir. Correr mundo, como n’ O Homem do Leme. Aqui a vida parou. Apetece recomeçar. E fazer deste o primeiro dia do resto da nossa vida, como na outra canção.

sexta-feira, julho 23, 2004

Jantar de gajas.

Demasiado Jameson. A inspiração deve ter ficado algures num esquina do Bairro Alto. Provavelmente numa daquelas onde se amontoam miudos recém-adolescentes a beber cerveja e a fumar charros. De onde vêm tantos miudos? O Bairro já não é o que era. Os serei eu que já não sou o que era? Alguém me devia ter mandado para casa ao terceiro Jameson...

quinta-feira, julho 22, 2004

A duas vozes

ELA 
Há dez anos que não o via, mas pareceu-me exactamente na mesma. Nem mais velho, nem mais novo. Ligeiramente mais requintado, apenas. Passou metade do tempo a falar do excelente trabalho que tem, das aulas fantásticas que dá na universidade e das viagens de sonho caríssimas que pode fazer todos os anos nas férias. Pagou o almoço e lamentou o meu horário limitado, que o impediu de me levar àquele restaurante de luxo ao lado do seu escritório. A outra metade do tempo passou-a a relembrar o sexo maravilhoso que tinhamos e como estava tão entusiasmado resolvi não lhe dizer que já nem me lembrava bem de como era e que, na verdade, esperava que entretanto tivesse aprendido umas coisas. Na altura foi ele quem quis acabar, deixando-me num vale de lágrimas, convencida que perdia ali o amor da minha vida e que nunca encontraria ninguém igual. Hoje, perante o homem à minha frente, nunca me pareceu tão verdadeira aquela história de que há males que vêm por bem. No final do almoço, enquanto saíamos do restaurante, apalpou-me descaradamente e saiu-se com uma pérola poética, dizendo que o que mais queria era ter um botão que lhe permitisse começar tudo de novo entre nós. Sugeri-lhe que investisse uma parte da sua riqueza pessoal no desenvolvimento dessa inovadora tecnologia e enquanto nos despedíamos prometi a mim própria que iria pensar duas vezes antes de marcar encontros com ex-namorados que não vejo há anos. Mal por mal, prefiro as velhas lembranças. 

ELE  
Fui almoçar com uma ex que não via há uns bons anos. A Isabel anda tão chata que de vez em quando é preciso variar e o João contou-me que esta agora anda sem namorado. Trintona e a viver sózinha, achei que era boa altura para reviver velhos tempos. Tenho de admitir que não mudou muito. Continua com um belo par de mamas e os saltos altos e a mini-saia deixaram-me logo com vontade de lhe voltar a saltar para cima. Claro que estas coisas têm de ser preparadas, por isso fiz questão de lhe mostrar que já não não sou o estudante sem tusto que ela conheceu e que podiamos muito bem passar uns bons momentos juntos. Ficou caidinha, claro. Mortinha para sairmos os dois do restaurante e irmos a correr para o primeiro hotel que aparecesse. O problema é que a seguir trabalhava, portanto não deu. Continua um bocado chata, com as conversas do costume sobre livros, exposições e concertos, mas, coitada, como anda sem homem, tem de arranjar com que se entreter. Deixei o caminho aberto e um dia destes tenho que ver se lhe volto a telefonar. Talvez na semana em que a Isabel vai para fora em trabalho porque, afinal, por uma queca não vale a pena arranjar confusões lá em casa.

domingo, julho 18, 2004

Rita e Pedro (1)

A Rita tem 34 anos. O Pedro tem 17. Conhecem-se desde sempre. Ela era amiga da mãe dele e fazia de baby sitter. Mas isso foi há muito tempo. O Pedro Cresceu e um dia caiu-lhe na cama. 16 anos, acabados de celebrar com bolo, velas, avós e tios. A Rita, que é casada há dez anos, deixou de ter dores de cabeça à noite e descobriu que está com muito menos rugas. Vai divorciar-se. Estão à espera que o Pedro faça 18 anos para comunicar ao mundo. Entretanto, ela passou a escrever SMS com "k" em vez de "que", deixou de ouvir ópera e começou a comprar as últimas novidades do rock e leva a vida colada ao telefone, à espera de uma das 324 chamadas diárias. Também deixou de ser a melhor amiga da mãe dele.

terça-feira, julho 13, 2004

Separações

Acordei, fui trabalhar, voltei para casa, reguei as plantas, vi a novela, mandei vir uma pizza e às onze da noite em ponto decidi que nunca mais lhe telefonava. E que esta seria a minha última separação. Porque para nos separarmos de alguém é porque antes aceitámos fazer parte de um todo, um único organismo onde os diferentes membros funcionam numa mesma direção. Em linha, mesmo se por vezes cada um vai para seu lado. Juntando-se sempre, depois, no mesmo caminho, na mesma direcção. E eu não quero voltar a acreditar nessas merdas. Felizmente é verão. As plantas precisam de atenção. Acho que vou regá-las novamente.

sábado, julho 10, 2004

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silêncioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
 
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
 
Vinicius de Moraes