terça-feira, setembro 28, 2004

Procura-se...

corto maltese


(para mais informações, dirija-se aqui)



dão-se alvíssaras...

Telefonema

Ela: Olá, olá!!
Ele: Sim?...
Ela: Estás bem? Há tanto tempo...
Ele: Estou... mas quem fala?
Ela: Não acredito que em poucos meses já tenhas esquecido a minha voz!!
Ele (merda! já meti água...): Claro que me lembro. Estava a brincar contigo.
Ela (a brincar o tanas! e até já nem tens o meu número na agenda do telemóvel!!): Sempre o mesmo humor negro... Enfim, adiante... Queria saber de ti, se estás bem, que tens feito...
Ele (e tinha que ser logo agora, que estou a preparar-me para ir jantar???) Fizeste bem em ligar. Ando para fazer o mesmo há tempo, mas sabes como é...
Ela (pois, imagino...): Claro, eu sei. Andas cheio de trabalho, não é?
Ele: É. Não tenho tempo para nada.
Ela: E tens novidades?
Ele: Nada. O costume...
(silêncio)
Ela: Ok. então vá... vê lá se ligas tu um dia destes.
Ele: Combinado. Agora tenho de ir. Um beijinho e fica bem.
Ela: Tu também.

PÓS-TELEFONEMA:

Ela

Este gajo já não se lembrava da minha voz!! Como é possível? Há três anos jurava a pés juntos que eramos os melhores amigos, que acontecesse o que acontecesse nunca deixaria de falar comigo, de me considerar uma das pessoas mais importantes da sua vida. E eu, toda apaixonada, claro, a achar aquilo super romântico. A olhá-lo qual carneiro mal morto, convencida que era o homem mais inteligente do mundo, um poço de qualidades. Tanto que nem sequer ligava muito ao resto. Ao facto de ele nunca ter querido contar a ninguém que andávamos juntos (que dormiamos juntos, melhor dizendo...). Afinal trabalhavamos na mesma empresa, viamo-nos todos os dias no escritório e o melhor era ir com calma e não dar muita bandeira. Isso também não importava muito. Era a sua confidente. Ouvi-o horas seguidas, mais aos seus problemas existenciais, e sentia-me orgulhosa por merecer a sua confiança. Mas isso foi até aparecer a nova engenheira de produção, que tratou de verificar também a performance do administrador. Ele foi um querido: combinou um fim de semana num turismo rural do Alentejo e, entre mergulhos de piscina e pores-do-sol maravilhosos, comunicou-me que era melhor ficarmos por ali, que estas coisas no trabalho dão sempre mau resultado, mas que, claro, ficariamos amigos para sempre. Chorei baba e ranho durante uns dias e depois arranjei um emprego melhor e mandei-o à fava. Só mais tarde soube da engenheira de produção, a Kika, do tipo modelo da Fátima Lopes, com decotes até ao umbigo, que ele exibia nas festas no Lux. Pouco a pouco deixou de me ligar e há uns meses que não sabia nada dele. Hoje, não sei o que me deu para lhe ligar. Acho que foi só para ter a certeza de que não passa de um idiota chapado.

Ele

Grande bronca não ter percebido que era ela! Também, quem ia imaginar que se lembraria de reaparecer. Deve ter-lhe dado a saudade, aposto. Não lhe falei na Kika, não valia a pena, coitada. Durante uns tempos até nos demos bem. Eu tinha acabado de me divorciar e estava mesmo a precisar de uma boa queca sem chatices acrescidas. Além disso, como ela era secretária lá na empresa punha-me a par de tudo o que ia acontecendo com o pessoal. E não se pode queixar de a ter tratado mal. Nunca lhe dei falsas esperanças e mudava habilmente de assunto sempre que ela desatava a falar de querer ter filhos e outras tretas do género. Não sei o que se passa mas as mulheres vão sempre parar aí... E, depois, até passámos umas boas férias juntos. No Alentejo, acho. Ou teria sido no Algarve? Enfim... acabou está acabado, pronto. Que lhe deu para me voltar a telefonar? Nunca hei-de perceber estas nostalgias femininas...

segunda-feira, setembro 27, 2004

Quem é, afinal, feliz?

Olha furiosa para o marido e sussurra-lhe baixinho:
- Não me dês ordens como se eu fosse tua criada!!
No meio do barulho infernal dos miudos, ninguém se apercebe das palavras nem dos olhares de fúria. Dela, porque ele permanece imperturbável. Ignora-a olimpicamente e passa-lhe para as mãos o monte de sacos com as prendas de aniversário da filha.
Ela respira fundo, ensaia o seu melhor sorriso e continua como se nada tivesse acontecido. É a mãe perfeita e tem de continuar assim. Assoa o nariz da filha mais nova, segura-lhe o gelado que começa a derreter e corre a ver se está tudo bem com a mais velha, quase à beira de um ataque de choro porque um dos amiguinhos lhe esfregou delicadamente no cabelo o que restava do bolo de aniversário.
O pai estremoso, finge que não é nada com ele e continua à conversa com o progenitor de um dos diabinhos convidados, que por acaso também trabalha lá no banco.
Ele tem 33 anos mas aparenta 40. Deixou crescer a barriga, perdeu uma boa parte do cabelo, e tem uma quase permanente expressão alienada, que só tira do rosto quando assiste aos jogos do Sporting.
Ela continua bonita mas nota-se-lhe nas rugas à volta dos olhos o cansaço de quem acorda às seis da manhã para preparar as miudas para a escola e só se deita já muito tarde, depois de ter passado a ferro toda a roupa da prole mais as camisas do marido.
Às vezes Joana, a melhor amiga, ainda solteira, pergunta-lhe se é feliz. O sorriso que acompanha a resposta é triste, quase tí­mido, e as palavras são de uma alegria forçada. Claro que sim, que é feliz. Há lá coisa melhor no mundo que ter duas filhas lindas e maravilhosas?
Pois... Haverá?
E ela? os seus sonhos? as viagens ao estrangeiro que nunca fez porque o dinheiro não chega para tudo? e as idas ao cinema, onde não põe os pés há anos? e ao teatro? e os livros que não tem tempo para ler?
- Vamos jantar na sexta-feira? Deixo as miudas com o pai e vamos sair as duas. Jantamos e vamos ao Bairro Alto, embebedamo-nos...
Vamos, claro, responde a amiga. Já sabe que na sexta de manhã ela lhe telefonará a dizer que afinal não pode, mas responde que sim, claro.
Para ela, Joana é a mais feliz das suas amigas. Não tem filhos, o que é uma falha grave, mas tem todo o tempo do mundo para si, pode mudar de namorado quando lhe apetecer e, acredita, tem uma animadissima vida sexual, que não tem nada a ver com o sexo às sextas-feiras lá em casa.
Joana sabe que ela pensa assim e não a contraria. Sempre que estão juntas é sobretudo ela que fala. Do marido, das filhas, das filhas e do marido. Joana ouve-a e raramente falo de si.
Talvez porque no fundo se sinta dividida. Porque não quereria nunca ter um homem que lhe falasse como se ela fosse sua criada, mas porque, ao mesmo tempo, também sabe que a sua vida é muito pouco daquilo que a amiga pensa que é.
Ela chega a casa à noite e sabe que terá de passar a ferro a roupa da prole a as camisas do marido. Joana chega a casa à noite e só tem de alimentar o gato.
Ela tem um marido idiota que já se esqueceu de a amar. Joana já não sabe se acredita no amor.
Quem é, afinal, feliz?

terça-feira, setembro 21, 2004

Contos de fadas modernos

Francisco e Rodrigo. Os nomes não importam. São de famílias bem. Um tem sangue azul e algum (pouco) dinheiro. O outro tem muito dinheiro e um avô que subiu a pulso e fez fortuna. Têm licenciaturas, mestrados no estrangeiro, pretensões a gestores de empresas (as da família, naturalmente). Frequentam os melhores restaurantes e vão a todas as festas da moda. Não saem nas revistas sociais, porque não é "bem" e dizem sófa em vez de sofá, enterro em vez de funeral, encarnado e nunca vermelho. Tratam toda a gente por "você" e têm imensos tios e tias. Andam a cavalo, compram o Expresso ao fim de semana e o último livro que folhearam foi a lista telefónica.

Francisco e Rodrigo querem casar e ter muitos filhos. Procuram uma noiva. Mas a sua futura mulher (não a futura esposa, que essa palavra também é proibida) tem de ser... uma princesa. Isso mesmo. Uma princesa. Pode ser feia, gorda, careca, ... mas tem de ter sangue azul. Por isso torram o dinheiro da família em viagens ao Mónaco, desdobram-se para um convite para as festas dos colunáveis espanhóis, arranjaram maneira de estar nos últimos casamentos da nobreza europeia e, o que é mais extraordináro, conseguiram-no. Sabem que o dinheiro acaba por comprar tudo. E acreditam firmemente que hão-de ter as suas noivas de sangue azul.

Francisco e Rodrigo parecem dois homens normais. Até abrirem a boca. Depois disso, quem não consegue abrir a boca é o interlocutor, o normalzinho português que (às vezes) ainda acredita que o amor é mais importante do que tudo o resto.

Francisco e Rodrigo existem mesmo. Eu, ingenuamente, acreditava que figuras como eles já tinham desaparecido da face da Terra e ainda estou a recuperar-me do choque.