quarta-feira, outubro 25, 2006

O café não engana

Não digo que não tenham sido umas boas férias, porque foram. Gostei de lhe apresentar a Cidade e de a levar a ver os detalhes que os turistas não vêem. Como o outro lado do mercado egípcio, onde se vendem as melhores especiarias e os tecidos tingidos à mão. Ou os velhos banhos turcos, aquecidos a lenha e com paredes brancas da cal. Ou as antigas mesquitas, ainda de fora dos roteiros das agências de viagem.
Fez-me rir, como sempre, enquanto olhávamos a Cidade a partir do rio e atravessávamos a ponte, um pé na Ásia, outro na Europa. Foi sempre assim, aliás. Sempre me fez rir, ao contrário das outras, que mais dia, menos dia, acabavam por me entediar, com os inevitáveis ataques de romantismo. Talvez por isso, também, sempre me deixou confuso, sem saber para onde caminhávamos. Cheguei a perguntar-lhe, mas o “Vamos ver” da resposta ainda me deixou mais a Leste, portanto fiz isso mesmo, deixei andar. Ainda mais depois do homem do Mercado Egípcio lhe ter dito que as borras do café prognosticavam que pouco mais haveria de acontecer, que o homem ao seu lado não queria compromissos. E eu, que nunca acreditei em astrólogos e muito menos em borras do café, agarrei a ajuda o melhor que pude e deixei-me ficar, sem compromissos, a curtir a Cidade e a curti-la a ela, e aos seus risos e aos seus comentários, que às vezes me assustam, porque vêem mais longe do que eu alguma vez chegarei.
Já voltámos há algumas semanas, mas continuo sem saber para onde quero ir. Se calhar o tipo das borras do café tinha razão. Se calhar sou só eu que tenho medo do que poderei descobrir por detrás da inteligência do seu olhar. Em todo o caso, vou-me deixando ir. Só não sei é porque é que me falta a coragem de cada vez que agarro no telefone para marcar o número dela. Não sei, mas, à cautela, volto a guardá-lo e adio para o dia seguinte.

terça-feira, outubro 24, 2006

34 anos

Foi preciso chegar aos 34 anos para dar uma queca. Eu, que dantes nem a palavra era capaz de dizer, porque me soava mal. Foi preciso chegar aos 34 anos e, mesmo assim, na altura nem percebi muito bem o que me estava a acontecer.
Uma Cidade nova, um quarto de hotel, uma cama com dossel e lençois de cetim, um homem e muitos meses sem ter ninguém, depois de um amor desfeito numa estação de comboios, num único adeus a cheirar a filme de quinta categoria. Na altura não pensei nisso, mas os ingredientes estavam lá todos e nem me lembrei que mal o conhecia, que ele mal me conhecia a mim e que pouco tempo antes achava que nunca na vida seria capaz de ter nada com ele.
Mas uma rapariga não é de ferro, por isso, quando dei por mim, lá estava, a acordar ao lado dele, de cabelos desgrenhados e olhos ramelosos, como se sempre tivesse sido assim.
Depois foi o regresso. Os passeios pela Cidade nova substuídos pelo caminho diário para o barco, depois para o metro, depois para o trabalho e depois novamente para casa. O almoço a correr, o chefe a resmungar, o cão em casa, para levar a passear. E o telefone que não voltou a tocar, apesar das horas intermináveis a olhar para ele e rezar a todos os santinhos para que soasse a Missão Impossível, a música imbecil que, vá-se lá saber porquê, me deu para associar ao número dele.
E hoje acordei e percebi tudo. Percebi que foi preciso chegar aos 34 anos para dar uma queca, porque foi só isso, ainda que na altura me passasse pela cabeça que estava apaixonada, que aquilo era o princípio de alguma coisa e que daí a muitos anos haviamos de voltar à Cidade, a comemorar o dia em que tudo começou.
O telefone ainda não voltou a tocar a Missão Impossível dentro da minha mala e a vida continua por aqui, igual ao que era dantes. Não morri um bocadinho por dentro, como sempre pensei que me aconteceria se algum dia fosse para a cama com alguém que não amasse apaixonadamente, mas a Cidade há-de ficar para sempre ligada a esta lembrança. Ele, provavelmente, já nem se lembra.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Little Miss Sunshine



Todos ao cinema. Já!!
E não se distraiam com o desencorajador nome que os maravilhosos tradutores portugueses arranjaram para o filme (Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos): Little Miss Sunshine é uma pequena pérola.