quinta-feira, novembro 25, 2004

Nódoas negras

Ao fim de doze anos de casamento, a uma semana de um juiz lhes declarar que estão oficialmente divorciados, as discussões chegaram ao ponto de não retorno. O ponto em que ele a atira ao chão, a empurra pela casa e lhe deixa nos braços as marcas da sua furia de macho latino que se sente desprezado, maculado na sua honra masculina, desesperado porque sabe que a perdeu para sempre. Gritam os dois, choram os dois e, de repente, apercebem-se da criança, que os olha pasmada e que chora também, sem perceber porque é que o seu mudo está subitamente a demoronar-se.

Ela sai de casa, vai ter com o advogado, vai ao hospital mostrar as nódoas negras, vai à polícia e finalmente regressa a casa, cansada de tudo, cansada de si, a tentar manter o sorriso para a criança que ainda tem no olhar o medo que lhe entrou no corpo.

Ele sai de casa. Mete-se no carro e conduz sem saber por onde nem para onde. Tal como a criança, também ele tem medo. Medo de si, do que foi capaz de fazer e, pior, medo de achar que o que fez foi o que devia ter feito.

Ela sofre em silêncio há muito tempo. Já não se lembra quando tudo começou a desaparecer, quando o amor começou, pouco a pouco, a dar lugar ao ódio. Lavou-lhe a roupa, fez-lhe o jantar, tratou da casa, da criança, do carro. Fez tudo o que é suposto fazer uma mulher que deixou de trabalhar para ficar em casa com o filho e só depois percebeu que estava a deixar escorrer o tempo por entre as mãos. Só que aí já era tarde. Ele controlava a conta bancária, tirou-lhe o cartão multibanco, contava os tostões para as compras do supermercado e chamava-lhe inútil por passar o dia em casa e não contribuir para as despesas.

Quando tanto se fala em violência doméstica, nos "milhares de vítimas" que há em Portugal, ainda custa a acrediatar que tão perto de nós há situações destas. Que no século XXI há mulheres com 34 anos que não podem sair de casa porque têm um filho e o magro emprego que conseguiram arranjar não lhes chega para pagar a renda da casa.

Ela sofreu em silêncio violências psicológicas quase diárias. Quando as agressões passaram a ser físicas teve a coragem de denunciar o agressor, ainda seu marido, pai do seu filho.

Ele também sofre, mas diz para si próprio que a culpa é toda dela. Que ainda a ama, mas que, muito provavelmente ela até tem algum amante. Se não, porque haveria de furtar-se aos seus avanços nocturnos, quando, depois de mais uma discussão, se enfiam os dois na cama e ele tenta fazer as pazes?

segunda-feira, novembro 22, 2004

Todos ao cinema, já!

A grande Bridget Jones está de volta, num filme que oferece umas belas gargalhadas e uma óptima tarde de cinema. É light, ok. Não obriga a pensar muito, também é verdade. Mas é divertido e consegue ser bastante melhor que o primeiro episódio. Homens e mulheres para o cinema, já! Eles podem sempre aprender qualquer coisa (nada de desculpas que este é um filme de gajas - deixem-se de preconceitos) e elas, para além de uma história cor de rosa e divertida, com dois actores que não vão nada mal (eu por mim prefiro o mr. Darcy), ficam a saber que tudo é possível, mesmo com 33 anos e um rabo do tamanho de duas bolas de bowling (Bridget dixit).


 Posted by Hello

sábado, novembro 20, 2004

Azar

O que é que se faz quando aquele gajo giro que andamos a encontrar todos os dias no café nos vê a subir a rua em pânico porque a mini-saia se enrola nas meias e de repente se transforma num cinto?

sexta-feira, novembro 19, 2004

Na perfumaria... outra vez

Nova incursão à minha perfumaria favorita. Desta vez ignorei olimpicamente a diligente serigaita que não parava de me perseguir loja fora e escolhi eu própria os meus cremes. Os do costume, que não quero cá saber de coisas para peles maduras e gosto muito das minhas rugas de expressão e não se fala mais nisso. Ainda me presenteei com uma sombra verde alface e um baton lindo de morrer e segui feliz para a caixa. Aí, milagre, esperava-me um rapazinho que devia estar no seu primeiro dia de trabalho e era uma simpatia. Até conversámos um bocadinho sobre as promoções de Natal, eu paguei, e quando ele me deu o belo do saco com as compras disse, muito gentil, que tinha escolhido algumas amostras para mim: um creme especial para os olhos, novidade da Yves Saint Laurent e uma máscara para ... peles maduras!!! Ainda abri a boca, mas não me saiu nada e ele, sempre com o seu sorrisinho idiota de orelha a orelha e o tom a descair para o tipo José Castelo Branco, desejou-me "um bom fim de semana, SENHORA..." Foi o golpe fatal. Nunca mais volto àquela perfumaria. Está decidido. Humpf!!

quinta-feira, novembro 18, 2004

Homenagem a um amigo

Todos Os Homens São Maricas Quando Estão Com Gripe

Pachos na testa
terço na mão
uma botija
chá de limão
zaragatoas
vinho com mel
três aspirinas
creme na pele
grito de medo
chamo a mulher -
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer
mede-me a febre
olha-me a goela
cala os miúdos
fecha a janela
não quero canja
nem a salada
ai Lurdes Lurdes
não vales nada
se tu sonhasses
como me sinto
já vejo a morte
nunca te minto
já vejo o inferno
chamas diabos
anjos estranhos
cornos e rabos
vejo os demónios
nas suas danças
tigres sem listras
bodes de tranças
choros de coruja
risos de grilo
ai Lurdes Lurdes
que foi aquilo
não é a chuva
no meu-postigo
ai Lurdes Lurdes
fica comigo
não é o-vento
a cirandar
nem são as vozes
que vêm do mar
não é o pingo
de uma torneira
põe-me a santinha
à cabeceira
compõe-me a colcha
fala ao prior
pousa o Jesus
no cobertor
chama o doutor
passa a chamada
ai Lurdes Lurdes
nem dás por nada
faz-me tisanas
e pão de ló
não te levantes
que fico só
aqui sozinho
a apodrecer
ai Lurdes Lurdes
que vou morrer.

in: Letrinhas de Cantigas, António Lobo Antunes

Antídotos


 Posted by Hello

Há dias em que se sente assim. De costas viradas para o mundo. Estática. Parada no tempo. Felizmente há muitas zaras, mangos, h&m e afins, antídotos perfeitos para qualquer depressão. E há também häagen-dazs para a sobremesa.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Aniversário

Esqueci-me do teu aniversário. Esqueci-me de ti. Esqueci-me de te telefonar todos os dias. A minha memória é como um livro que vou escrevendo e reescrevendo diariamente e onde só deixo ficar o que quero. O resto arquivo algures, num sitio estranho a que pouco a pouco vou perdendo o acesso. Às vezes entro lá, mas saio rapidamente. E tudo isto sem me aperceber do que faço. Já não quero que voltes. Já não te quero. Mas também não sei o que quero. E, estranhamente, sinto-me bem assim.

terça-feira, novembro 16, 2004

Finais

Pela primeira vez sairam sózinhos, sem o habitual grupo de amigos. Sentados em frente um do outro, olharam-se como se fosse a primeira vez, mas nenhum dos dois fez um único gesto para utrapassar o silêncio. Um silêncio bom, feito de palavras que não era preciso dizer. Depois foram ver o Tejo, naquele sítio onde se junta com o mar e muda de cor. Nem sequer faltava a lua, a espreitar lá em cima e a iluminar a noite sobre as luzes da Marginal. "Desculpa, mas vou ter de te beijar", disse o homem, do alto do seu metro e oitenta. A mulher, do alto do seu metro e cinquenta e seis, sorriu e aceitou as desculpas. Porque há amores que nascem quando mal se dá por eles. E também terminam quando menos se espera. Apesar do silêncio bom, do Tejo, da Lua e das luzes da Marginal, esta história não teve um final feliz.

segunda-feira, novembro 15, 2004

No masculino

Estranho Amor. Um blog a visitar.
Fica aqui uma amostra: "Muitas vezes, não vemos as razões porque elas não existem. E o Amor é exímio praticante da arte de escamotear. É crónico. É um estranho e não um conselheiro de confiança. O nosso esconde-se noutros e o dos outros achamos sábio."

domingo, novembro 14, 2004

Fadas do lar

Antes de mais, uma pequena explicação: eu sou louca por livros. Uns coleccionam borboletas, outros multas de trânsito (por acaso também tenho por aí algumas no fundo de uma gaveta...), outros ainda selos, moedas ou cuecas de senhora. Eu é mais livros. E vai daí, tenho ali na estante pérolas que vão desde os 21 volumes da colecção de "Os Cinco" (sou capaz de dizer os nomes de todos e pela devida ordem), ao "Anuário Diplomático Português" ou à "Homenagem a Maria de Lourdes Belchior", uma belissima edição da Fundação Calouste Gulbenkian, com 600 páginas, que uma vez me enviaram para o trabalho e que, muito embora tenha a certeza que nunca vou ler, sou incapaz de mandar para o lixo.

Às vezes vou até ao meu pseudo-escritório/quarto de visitas e fico ali, toda feliz, a admirar a minha bela livraria quem nem sequer é muito grande, mas que me dá muitos cuidados porque me ponho a pensar que nunca terei tempo para ler todos os livros de que gostaria e isso deprime-me.

Há dias, estava eu a tentar decidir o que iria ler a seguir, e dei com os olhos numa das minhas pérolas favoritas: "A mulher na Sala e na Cozinha", "O Mais Popular e divulgado Livro de Culinária Português", da autoria de Laura Alves, publicado vai para 40 anos pela Editorial Lavores, que aborda assuntos diversos, como etiqueta, cozinhados, bolos, doces, souflets, coktails, etc.

Baseada nessa grande obra, inicia-se aqui uma série de posts subordinados ao tema "Fadas do Lar". Ora aprendam:

A mesa de Jantar

As mais belas e modernas toalhas de jantar são todas em renda, crochet, filet ou renda de Veneza, na cor crua, continuando-se a usar as de linho bordadas ou com incrustações de renda.
A moda francesa está adoptando as toalhas sòmente bordadas ao centro e levando à volta como guarnição uma bainha ou recorte.
As ornamentações de mesa, mesmo para um jantar de certa cerimónia, são muito simples. Ao centro, uma taça de prata, metal ou loiça, o mais artística possível, com flores, cujos pés não devem ser muito altos, mas não tão baixos que lhes tirem toda a elegância. À volta desta taça, alguns fruteiros, pequenos, de prata, cheios de fruta da estação; aos topos dois candelabros de prata.
Os pratos serão postos um a cada conviva; (...) Em frente do prato, um pequeno conzeiro de metal, com dois ou três cigarros dentro, atendendo a que quase todas as pessoas fuamam.
(...) A criada, devidamente fardada, serve as travessas pela esquerda.
Às cabeceiras da mesa sentar-se-ão as pessoas de menor importância; ao centro os donos da casa. À direita do dono da casa sentar-se-á a senhora com quem se faz mais cerimónia e à direita da dona da casa, o cavalheiro com quem se deseja ter mais atenção.

Uma mulher tem de saber estas coisas (estás a ver, Clô, o jeito que dá um faqueiro Cutipol??) .

Comentários para quê?...





segunda-feira, novembro 08, 2004

Ida matinal ao ginásio

O que uma mulher sofre para se manter linda e maravilhosa e sem celulite. Acordar às sete da manhã, conseguir arrastar-se até ao autocarro, esperar 20 minutos pelo 16, dormitar um bocadinho na paragem ao lado de uma senhora gorda a caminho da praça e de um jovem sem-abrigo (há que ser politicamente correcta...) que não toma banho há duas semanas, conseguir entrar no autocarro apilhado e, meia hora depois, chegar ao Holmes.

Aí começa a verdadeira aventura. Primeiro, desencantar um cacifo disponível (desconfio que eles aceitam sócios a mais fiando-se nas malucas como eu, que pagam todos os meses e raramente lá põem os pés). Depois seguir para a piscina e conseguir um lugar na aula de hidroginástica, onde já estão 323 senhoras tão gordas como a da paragem do autocarro que, obviamente, conseguem acordar cedissimo e chegar a horas.

Seguem-se 45 minutos de terror. Elas conseguem acompanhar lindamente a coreografia da piscina. Eu vou para a esquerda quando elas vão para a direita e para a direita quando o professor manda avançar para a esquerda. Sinto-me terrivelmente deprimida, mas insisto (o professor é giro que se farta e recuso-me a dar parte de fraca). Depois descubro que as 323 senhoras gordas conseguem aguentar-se perfeitamente enquanto a mim já me falta a respiração. Nesse momento juro a mim própria que nunca mais vou pegar num cigarro. Talvez até vá à minha médica, pedir uns daqueles comprimidos maravilha para passar a odiar a nicotina.

Terminada a aula, é a corrida para o chuveiro. Mais uma vez elas conseguem andar mais do que eu e vejo-me no fim de uma fila interminável de senhoras que conversam animadamente sobre a empregada lá de casa, o marido empresário que está fora em trabalho ou as últimas novidades da Loja das Meias. Para piorar tudo, as minhas pernas começam a lembrar-se que há muito tempo que não se mexiam tanto e reclamam desesperadamente.

Passadas três horas, depois de mais uma corrida, desta vez para o secador de cabelo, saio do Holmes pronta para mais um dia de trabalho. Claro que antes ainda preciso apanhar o Metro e subir até ao Chiado, mas não há-de ser nada. Quando chegar, é só ligar o computador, pegar nos jornais do dia e ir para o café da esquina tomar um ENORME pequeno almço, mais uma bica e um cigarro.

O que uma mulher sofre para se manter linda e maravilhosa e sem celulite...

Todas as histórias de amor são ridículas

Durante anos viram-se todos os dias de manhã. Ou quase todos. Ela subia a rua, em direcção ao escritório, e lá estava ele, à porta da sua loja, sorridente, sempre bem disposto, a desejar-lhe bom dia.

Nos primeiros tempos era mesmo só bom dia. Depois, com o passar do tempo, vieram os "como está?", "tudo bem?", "esse trabalho?" e, por fim, começaram os verdadeiros diálogos. Primeiro sobre o tempo, esse grande tema de conversa, depois sobre o trabalho, de onde vinham, para onde iam.

O grande dia foi quando Portugal jogou com a Inglaterra no Euro 2004. Estavam os dois vestidos a rigor, de camisola com as cores da bandeira, e durante pelo menos cinco minutos discutiram as hipóteses da selecção das Quinas. Na manhã seguinte também houve tema de conversa, naturalmente. E nas que se seguiram. O futebol aproxima as pessoas, não é o que dizem? E ali nem havia hipótese de se zangarem, por um ser do Sporting e outro do Benfica.

Separaram-se durante as férias, porque ele fecha a loja durante Agosto, Mas em Setembro tudo estava como antes, ele à sua espera quando ela subia a rua. Não sabiam o nome um do outro, porque nunca tinham achado importante fazer a pergunta, mas já se demoravam a falar sobre si, sobre as suas vidas, sobre as alegrias e as tristezas. Sempre na rua, em frente à entrada da loja, antes de ela se dirigir para o trabalho. Sentiam a falta um do outro quando não se viam ou quando a chuva impedia as conversas.

Há dois dias ela anunciou que ia mudar de emprego e que na manhã seguinte não se veriam. Falharam as palavras. Nenhum teve coragem de dizer a falta que sentiria do outro. Por isso, simplesmente, abraçaram-se. E, dessa vez, o "bom dia" veio acompanhado de um beijo digno de qualquer filme de Hollywood e da certeza de que, no dia seguinte, estariam juntos novamente.

domingo, novembro 07, 2004

Em estado de choque

Foi um fim-de-semana difícil.

captain kirk

Primeiro o JPV, meu grande amigo, resolveu contar-me a verdadeira história do Capitão Kirk, esse homem lindo e maravilhoso, que conduzia a Enterprise por mundos nunca dantes navegados, a Caminho das Estrelas. Era apaixonada por ele e tive um choque quando soube que o homem, que na verdade se chama William Shatner, engordou, envelheceu e está transformado num verdadeiro canastrão. O JPV obrigou-me a ir confirmar na página do IMBD , e foi triste. E duro. Muito duro.



verano azul


Depois, novo choque. Desta vez foi a Rititi, que me deu notícias dos meus heróis do Verano Azul, que entravam pela casa aos sábados à tarde e que me faziam passar o resto da semana a sonhar com o Javi, que um dia eu também havia de conhecer nas minhas férias de Verão. Bom, diz a Rititi que o Javi se especializou em teatro barroco e que agora trabalha na série "El Comisario", mas que "está feio que dá pena". Quanto aos outros, que faziam parte do grupo maravilha, a história ainda é pior: O Pancho morreu de overdose e "a Bea, a linda, dizem as lendas urbanas que se especializou na profissão mais velha do mundo". Quanto à "feia, a Desi, engravidou aos 16 anos e caiu no esquecimento do povo, assim como o Quique, sapateiro na actualidade, e o Tito, gerente de hoteis de mala muerte". Inacreditavelmente, diz ainda a Rititi, "o Piraña, é agora um respeitado Engenheiro de Telecomunicações". E quanto ao Chanquete, "horror dos horrores, morreu".

Estarei a ficar velha?


sexta-feira, novembro 05, 2004

Poema 20

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: " La noche está estrellada, y tiritan, azules, los astros, a lo lejos".
El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como pasto el rocío.

Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Ya no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.


PABLO NERUDA
in: Veinte poemas de amor y una canción desesperada

(obrigada Gracinha, por me teres lembrado que há muito tempo não lia Neruda. Este é um dos seus poemas de que mais gosto. É engraçado: foi escrito quando ele tinha pouco mais de vinte anos. Era um homem fantástico, O POETA.)

quarta-feira, novembro 03, 2004

Adriana Calcanhoto

Um pequeno presente para quem tem pachorra de me ler. Por favor cliquem aqui e acompanhem com a letra que está num post mais abaixo.

terça-feira, novembro 02, 2004

Na perfumaria...

... à conversa com a empregada, uma serigaita de 20 anos, com dez quilos de base na cara e 24 camadas de baton vermelho vivo nos lábios, supostamente especialista nas várias gamas de creme para o rosto disponíveis:
- Hummm... essa pele não está nada em bom estado... Umas ruguinhas aqui...
e eu:
- São rugas de expressão, ora!
-Pois, responde pouco convencida. E ataca novamente:
- Mesmo assim. Estão a crescer, já viu?
(olhar furioso da minha parte, já a pensar mandar-lhe à cabeça um perfume qualquer dos que estavam ali à mão...)
- Tem de hidratar. E pôr um creme especial para o contorno dos olhos. E umas ampolas para rejuvenescer. Sabe, quando se passa dos trinta, é inevitável...
(novo olhar furioso, desta vez já com o perfume na mão, pronta a disparar.)
- Depois quando quer já não há volta a dar. E ainda estou aqui a ver mais uma ruga a nascer. Aconselho a gama para peles maduras. Essa que está a usar é própria para peles mais jovens.
Nesta altura do campeonato, estou quase a dar uma tareia à mulher, mas reúno toda a dignidade que ainda me resta, ponho o frasco de perfume no sítio (era caríssimo, não valia a pena desperdiçá-lo com aquela idiota) e digo calmamente que afinal ainda não é hoje que vou trocar de cremes. Entretanto, pondero a hipótese de lhe aconselhar a ela uns cremes para diminuir a celulite no rabo, mas decido que não há necessidade (no fundo sou uma boa alma).
Passei o resto da tarde na H&M, vinguei-me numas calças de ganga lindas de morrer (tamanho 34, onde ela nunca caberia) e voltei para casa feliz com as minhas ruguinhas de riso. Quero que a tipa se lixe, mais os seus cremes gama pelas maduras. Humpf!

segunda-feira, novembro 01, 2004

A duas vozes

ELE

Estou muito preocupado com a Ana. Vivemos juntos uns tempos, depois chegámos à conclusão que não dava, separámo-nos pacificamente, e concordámos em ficar amigos como dantes. Achei óptimo. Detesto rupturas. Só que agora ando muito preocupado com ela. É óbvio que ainda não recuperou, que continua apaixonda por mim, e ultimamente anda com umas conversas estranhas, sobre estar a ficar velha, estar sózinha no mundo, e por aí fora. Sei que sou parte do problema, mas não sei o que fazer para a ajudar a sair desta crise. Sinto que se está a isolar, mas ao mesmo tempo tenho medo de me aproximar e de ela pensar que quero voltar à relação que tinhamos antes. Se ao menos ela encontrasse alguém... Resolvia-se o problema. Bom, se calhar a mim custava-me um bocado, que um homem também tem o seu orgulho e estas coisas são difíceis de engolir. Aqui há uns tempos soube que foi jantar com o Francisco, lá do escritório, que se anda a atirar a ela há séculos, e estive quase para ir às trombas ao gajo. Mas ele também não é homem para a Ana, tenho a certeza. E ela deve ter percebido, espero... Seja como for, isso não vem ao caso. Fico com um peso terrível na consciência, de a ver assim tão triste, mas os sentimentos nao se criam artifialmente, e não podemos amar alguém só porque nos apetece, não é? Era tudo tão mais fácil se ela já não estivesse apaixonada por mim...

ELA

Bolas! Não consigo tirar o Francisco da cabeça. Aqui há tempos saímos para jantar e foi uma noite óptima. Já o conheço há anos, mas nunca tinha olhado para o homem desta maneira. Bem, a verdade é que andava demasiado ocupada com o João, com quem vivia. Só que, com o João, as coisas foram ficando cada vez menos interessantes e como ele não se decidia a tomar uma atitude, um dia anunciei-lhe que ía sair de casa. Ficou todo atarantado - acho que ainda hoje não percebeu a merda que fez, quando passou a deixar-me sózinha em casa demasiadas vezes e se esqueceu de ser o homem carinhoso que costumava ser no início. Apesar de ter sido eu a acabar, achei que não tinha mal nenhum em continuar a dar-me com ele. Até porque a coisa, no início, custou-me um bocado. Nestas situações deixamos sempre para trás um pouco de nós próprias, não é? Seja como for, continuámos a dar-nos bem. Tão bem, que durante uns tempos alguns amigos nossos nem se aperceberam que já não viviamos juntos. Só que, apesar de o João continuar a ser um bom amigo, não consigo abrir-me com ele sobre esta coisa do Francisco. O Francisco... Um tipo espectacular, atraente, inteligente, mas escorregadio, vá-se lá saber porquê. Tanto que me faz sentir insegura. Esta expectativa toda deixa-me furiosa. Raio dos homens, que não se decidem! Ontem estive com o João e descarreguei em cima dele. Se calhar não foi muito honesto, mas que se lixe. Na volta achou que eu estava em baixo por continuar mortinha de amores por ele. Como sempre, continua a achar que o seu umbigo é o centro do universo.