sábado, outubro 23, 2004

A duas vozes

Ela

Estou apaixonada. Isso mesmo: apaixonada. Mas não aconteceu nada, não pensem. Só fomos jantar juntos e ao cinema. Ele é amigo de uma amiga minha, que nos apresentou numa festa. É lindo de morrer, tem um sentido de humor que me faz rir até às ágrimas, às vezes chama-me "menina". E depois, sabem, é mais velho do que eu, já passou dos trinta, não é um miudo qualquer. A minha amiga contou-me que teve um desgosto de amor aqui há uns tempos, provavelmente ainda está a ressentir-se e deve ser por isso que não quer atirar-se de cabeça. Mas, vocês percebem-me, nós mulheres sabemos quando há mais qualquer coisa no ar. Há dias fomos ao cinema e passámos metade do tempo na conversa, sem prestar atenção nenhuma ao filme. Depois ele levou-me a dançar e deixou-me em pânico quando começou a cantarolar as músicas no meu ouvido. O homem é um espectáculo. Só que, claro, tem um problema. Têm sempre, não é? Este não foge à regra. Imaginem que, pouco depois de nos conhecermos, disse-me que está de partida para o estrangeiro. Teve uma oferta de trabalho e é bem possível que não volte a Portugal. Isso pouco me importa. Se for preciso vou. Levo o gato, que dele não me separo, mas vou atrás do homem. Mudo de emprego, mudo de vida, mudo de país. Pouco me importa. Se valer a pena, não quero saber de mais nada. Mas, estão a ver o problema, não estão? Ele é demasiado honesto para começar uma relação assim, quando está de partida. Claro que não lhe disse que estou disposta a ir com ele, não pode adivinhar, mas eu ia, juro que ia. Se descobrisse que é mesmo o amor da minha vida, ia. Sem pensar duas vezes. Sei que tenho de fazer alguma coisa. Tenho de tentar, senão arrependo-me para o resto dos meus dias, mas não sei o que fazer. Não quero que me ache demasiado fácil, tenho medo de ser rejeitada e tenho mais medo ainda de nem sequer tentar.

Ele

No próximo mês vou para São Paulo. Está decidido. Uma oferta irrecusável (basicamente, com o ordenado que me vão pagar, por lá consigo ter uma vida de milionário). E o Brasil é um mundo à minha espera. Lá não há passado (o meu, claro). Só futuro. Porque a verdade é que a Helena não me sai da cabeça. Muitas vezes, mesmo nos sonhos, continuo a lembrar-me do dia em que cheguei a casa e dei com ela enfiada na minha cama com o cabrão do Luis, que por acaso costumava ser o meu melhor amigo. Nunca mais nos falámos. Tirei de lá as minhas coisas nas horas em que sabia que ela estava no trabalho e na última vez em que fui ao apartamente deixei a chave na mesa da entrada e bati com a porta para sempre. Se continuo a pensar nela não é porque ainda a ame, disso tenho a certeza. É porque a odeio. Por isso nada melhor que São Paulo. País novo, vida nova. Bom, há apenas um pequeno problema: a Jú. Conheci-a em casa da Ana e dei por mim a rir como já há muito tempo não me ria com uma mulher. E a flirtar, como já não fazia nem mesmo com a Helena, porque quando passamos a viver com uma mulher parece que nos esquecemos desses detalhes. Apeteceu-me levá-la para a cama, mas também me apeteceu ir ver o pôr do sol no Guincho com ela e preparar-lhe um jantar lá em casa, com uma boa música em pano de fundo. E não, a ideia não era mostrar-lhe a colecção de borboletas. Quer dizer, podia ser também isso, mas não apenas isso. Só que, depois, há a Helena. E há São Paulo. Não sei se estou a passar ao lado de alguma coisa, mas cada vez acredito menos nessas balelas do amor. E o Brasil é um mundo à minha espera. Por isso, em vez de a convidar para jantar, vou apenas despedir-me.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Adoro as tuas histórias,são tão reais!Tens uma capacidade fabulosa de perceber os dois lados!-pekala(neurotic)

12:17 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Logo à primeira passada neste salão de dança que me vi a bailar a sons familiares mas também prazenteiramente ao de novas melodias…
Mas a compositora olvida a cada acorde que “Eles” também tiveram avós, que também ouviram histórias… e que também sonham! Não sonham com as princesas de sangue azul, mas com as donzelas que dão o peso imprescindível ao equilíbrio na cela… ;)
Podem até já nem acreditar, mas enquanto sonharem vão seguir a dançar…

tay

12:47 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

tay:

gostei dessa das "donzelas que dão o peso imprescindível ao equilíbrio na cela". E também de quando dizes que "eles", "podem até já nem acreditar, mas enquanto sonharem vão seguir a dançar". Mas, assim sendo, onde está afinal a diferença? e será que há de facto diferença?

quanto às "melodias" que por aqui se tocam, são escolhidas a dedo porque, como logo ao início se avisa, este é um blog com "histórias no feminino onde qualquer semelhança com a realidade não será pura coincidência". E, acredita, aqui não há coincidências.

t&v

12:39 da manhã  
Blogger André Parente said...

Já tenho dito e redito: "São dois no (...) e um no (...)". Não era isto, sorry... nao resisti!
O que eu queria dizer é que afinal tudo não passa de circusntancias, encontros e desencontros, acaso. Desiluda-se quem pensar contrário. Ou iluda-se, já nao sei o que e melhor...

2:47 da manhã  

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