segunda-feira, outubro 11, 2004

Mudar de nome

Adozinda. Ninguém se chama assim. Que raio de nome. Nem sequer dá para se ter um daqueles petits noms como Tita, Kika, Patucha, Pitucha ou assim, que esses são chiques, não é? Mas Adozinda??!! Só mesmo a sua mãe para se lembrar disso. A sua mãe, que quando ela nasceu era empregada doméstica de uma família riquissima de Cascais, mas que desapareceu pouco depois, deixando-a em casa dos senhores. Teve sorte, porque estes acabaram por tomar conta dela e adoptaram-na.

Adozinda cresceu no meio do luxo, frequentou bons colégios, fez férias na neve desde que se lembra e tem montes de amigas fantásticas e igualmente ricas e chiques. Com nomes como Tita, Kika, Patucha e Pitucha. Claro que nunca contou a nenhuma delas quem foi a sua mãe biológica.

E, no entanto, o problema sempre foi o nome. Na escola corava cada vez que a professora fazia a chamada. "Menina Maria Adozinda Amorim Saraiva da Cunha?" E ela, muito baixinho, "Presente", sempre infeliz com o raio do nome e sempre a amuar quando algum dos amiguinhos lhe chamava Adozinda. E faziam-no frequentemente, claro, porque sabiam muito bem como ela o odiava.

Aí pelos 14 anos descobriu por acaso que se quisesse podia mudar de nome. Fugir dele. Esquecê-lo, tal como queria esquecer que tinha tido uma mãe com tão mau gosto para lhe pôr um nome daqueles e que, para além de ser empregada doméstica, ainda tinha tido o desplante de a abandonar.

A ideia nunca lhe saiu da cabeça. Quando se candidatou ao primeiro emprego omitiu o "Adozinda" do CV e tratou de descobrir o que tinha de fazer para corrigir o malfadado Bilhete de Identidade. Preencheu papelada, passou horas e horas enfiada no Registo Civil, esperou meses pelo despacho assinado por um qualquer funcionário público idiota que de certeza passava os dias a jogar computador em vez de tratar do seu urgentíssimo pedido.

Finalmente, há uns dias, pôde concretizar o seu sonho. O despacho chegou e, agora, o seu BI exibe apenas um chiquérrimo "Maria Amorim Saraiva da Cunha". Foi um peso que lhe saiu de cima. Um pedaço do seu passado que foi apagado. Agora pode ser feliz. Encontrar um marido rico e de uma família do mesmo nível da sua, ter vários filhos lindos e maravilhosos, viver numa linda casa com piscina e doze quartos e ter a vida cor-de-rosa com que sempre sonhou.

Quanto à mãe, a verdadeira, que era empregada doméstica, nunca pensa nela. Bem, às vezes pensa, mas apenas para concluir que não quer saber quem é. Provavelmente continua a fazer limpezas em casa de alguém e o seu futuro marido, que ainda nem conhece, não havia de gostar nada disso.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olha lá a novela, se no dia do casamento a mãe arrependida lhe aparece chorosa na porta da igreja. Aí vem sic, tvi... ai ai! aí é que o marido não ia gostar nada!
Gracinha

12:10 da manhã  
Blogger mena said...

tu não brinques. esta criatura existe mesmo. perante um cenário desse calibre, certamente teria uma apoplexia :)

10:27 da tarde  

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