Decisão de ano novo
Saiu de casa com a gaiola do pássaro, o cabide almofadado que parecia um busto sem cabeça e que tinha herdado da avó, e a velha mochila do ginásio com os CD da Elis e da Ella. A mala com a roupa ficou, havia de a vir buscar depois se lhe desse para isso. Ou talvez se metesse nos saldos e investisse num guarda-roupa novo. O pássaro também ficou, mas com a janela da cozinha aberta, portanto já se devia ter juntado aos outros que se abrigam nas árvores da Gulbenkian. Também merecia uma vida nova. Tinha sido essa a sua decisão de ano novo, enquanto olhava para o fogo de artifício que vinha da Praça do Comércio: uma vida nova. E o primeiro dia do ano era tão bom como outro qualquer para a começar. Não sabia para onde ia, mas depois se preocuparia com isso.
Passou as obras do Metro no Saldanha, desceu a Fontes Pereira de Melo até ao Marquês e daí até à Baixa e até ao rio. Sempre com a gaiola (aberta) e o cabide nas mãos. A gaiola, onde nunca mais viveria nenhum pássaro, serviria para lhe lembrar o quanto lhe tinha custado a prisão em que vivera nos últimos quinze anos. O cabide era a ligação ao passado e à avó, que viveu numa prisão a vida toda.
Nessa noite o marido chegaria a casa e não teria o jantar na mesa, como de costume. Não se sentariam os dois no sofá da sala a ouvir os interminaveis concursos da televisão. Não iriam para a cama e não desligariam o candeeiro da mesa de cabeceira sem sequer se ouvir um simples boa noite. Nessa noite, não sabia sequer onde dormiria, mas sabia que a sua vida seria diferente.
Sentou-se na estação, de frente para o Tejo e a olhar sem ver os barcos que iam e vinham do Barreiro. Voltou a lembrar-se da caixa que no dia anterior descobrira debaixo do banco da frente do carro. O laço dourado o papel de embrulho da Armani, o cartão onde uma letra de mulher escrevera "para o amor da minha vida, e para que este seja o ano em que finalmente ficaremos juntos", deixando em baixo uma ridícula marca de baton de uns lábios pintados de vermelho vivo.
Verificou cuidadosamente a carteira, com os cartões de crédito gold que o marido lhe oferecera nos últimos anos e comprou um bilhete de barco. A primeira de muitas compras. Como toda a gente sabe, a vingança é um prato que se serve frio.
Passou as obras do Metro no Saldanha, desceu a Fontes Pereira de Melo até ao Marquês e daí até à Baixa e até ao rio. Sempre com a gaiola (aberta) e o cabide nas mãos. A gaiola, onde nunca mais viveria nenhum pássaro, serviria para lhe lembrar o quanto lhe tinha custado a prisão em que vivera nos últimos quinze anos. O cabide era a ligação ao passado e à avó, que viveu numa prisão a vida toda.
Nessa noite o marido chegaria a casa e não teria o jantar na mesa, como de costume. Não se sentariam os dois no sofá da sala a ouvir os interminaveis concursos da televisão. Não iriam para a cama e não desligariam o candeeiro da mesa de cabeceira sem sequer se ouvir um simples boa noite. Nessa noite, não sabia sequer onde dormiria, mas sabia que a sua vida seria diferente.
Sentou-se na estação, de frente para o Tejo e a olhar sem ver os barcos que iam e vinham do Barreiro. Voltou a lembrar-se da caixa que no dia anterior descobrira debaixo do banco da frente do carro. O laço dourado o papel de embrulho da Armani, o cartão onde uma letra de mulher escrevera "para o amor da minha vida, e para que este seja o ano em que finalmente ficaremos juntos", deixando em baixo uma ridícula marca de baton de uns lábios pintados de vermelho vivo.
Verificou cuidadosamente a carteira, com os cartões de crédito gold que o marido lhe oferecera nos últimos anos e comprou um bilhete de barco. A primeira de muitas compras. Como toda a gente sabe, a vingança é um prato que se serve frio.
14 Comments:
Que use e abuse desses cartões de crédito! E feliz ano novo a essa tua personagem.
e o que aconteceu ao passarito?
muito boa a tua história!
tenho vindo aqui várias vezes e apreciado muito os teus textos.
bj
bem frio......
o pá ó T&V és sempre a mm merda, escreves pouco! e bjs de parabens por mais uma boa história.
Utiliza o Gold para refazer a sua vida com muito conforto e com o que lhe fizer falta e com o que mais precisa. E essa será a melhor vingança...Beijinho de mim
Tem gente que manda ver nos shoppings da vida. Tem gente que manda ver na geladeira, comendo tudo que pode e o que não pode. Mas um amor que acaba não volta. Nem em forma de roupas caras nem em forma de calorias. Amor morto é cadáver sem sepultura. Mas é cadáver.
Oi t&v, estou quase a fazer isso: sair e deixar tudo para trás! Mas faltam-me os cartões de crédito, rsrsrs. Bjos querida!
Mais uma vez, uma história maravilhosa de lúcida! Eu aplaudo a coragem, de dizer chega! A vida é curta demais para nos perdermos em comiserações e auto-flagelações! Temos que nos envolver na vida e não ficar apenas a vê-la passar! Parabéns pela história e obrigada por escreveres tão bem:)
Qual era o CD da Ella?
esse ano já não é novo
(pois: fria)
Oi t&v, cadê vc? Saudades, volte a postar, pois estamos órfãos dos seus contos. Bjos.
Desculpa este comentário auto-promocional... mas o Kwan está de volta e tu o mundo precisam saber! :)
Vê lá no http://kwanblog.blogspot.com/
Até breve
belos textos estes espalhados pelo blog ;)
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