domingo, junho 18, 2006

Caixa de lembranças

Há dez anos que o comprei, num shopping brasileiro. Acho que foi no Rio, ou talvez em são Paulo, não me lembro bem. Foi numa daquelas viagens de trabalho em que surgiu, de repente, um jantar mais formal que me deixou em pânico porque só tinha havaianas e mini-saias. Lembro-me que entrei na primeira loja e comprei o primeiro vestido, de voile azul escuro, com duas pequenas barras de veludo. Estilo império, a cair a partir do peito. Haveria depois de me servir para vários casamentos e baptizados, até que ficou esquecido no armário, porque o voile saiu de moda e o estilo império desapareceu das páginas das revistas. Hoje voltei a usá-lo. Não é um dia especial sequer, nem um dia de lembranças. Ou não era, até ter posto o vestido. Desencantei-o do fundo do roupeiro e as lembranças vieram, em catadupa, dez anos da minha vida que passaram a correr, me escorreram por entre os dedos e se foram. Estão quase todos ali, na minha caixa das lembranças. Cadernos cheios de notas, com bilhetes de cinema, talões de avião, flores secas, frases escritas em guardanapos de papel, projectos de livros que nunca existirão, fotografias escondidas entre as páginas. Vários amores pelo meio. Nomes que só com muito esforço voltam a ter rosto. Paixões gigantescas que se esfumaram em poucos dias, outras que duraram anos. Uma que me deixou de rastos e me fez gastar fortunas em telefonemas, outra que me fez sair de casa na noite em que se abateu sobre Lisboa o maior temporal de que há memória, para chegar a um prédio onde a porta nunca se abriu. Fazemos tantas loucuras por amores que, só mais tarde o sabemos, mas nunca o foram nem nunca o serão.

Dez anos, um vestido, uma caixa cheia de lembranças, um domingo em paz. E um amor. Sem medos, sem sustos, sem discussões, com muitos projectos e sonhos. Vou usar o vestido e voltar a fechar a caixa das recordações, que vale por tudo o que aprendi, mas que também me mostra que é o futuro que conta.

E o futuro está aí. Amanhã uma assinatura abre mais uma etapa.

11 Comments:

Blogger maria said...

As lembranças são boas, mas são isso mesmo lembranças...e o futuro é que conta, sem dúvidas...e 2006 é como eu digo, um ano de passos em frente.

1:40 da manhã  
Blogger gracinha, a artista do burlesco said...

E ainda te serve o vestido?! Minha amiga! Isso é que é bom sinal!!!! Que se lixem as más recordações!!!
Beijos muitos!
;-)

10:25 da manhã  
Blogger Isa said...

é isso mesmo. novas etapas, novas experiências, novas vidas. beijos e boa sorte

12:44 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Guardar um vestido por dez anos sem usar? Me pergunto o que você não fará com uma lembrança, um desafeto, uma tristeza...bota fora, mulher! Só deixa o que é bom. Quanto ao resto, abra espaço no guarda-roupa e no coração :)

3:59 da tarde  
Blogger sónia said...

Bolas! Eu podia ter escrito isto... o vestido podia ter sido outra coisa qualquer, mas as lembranças estão lá! Forte, demasiado forte para uma 2ª feira! bjs

5:41 da tarde  
Blogger Xixao said...

Um olé pelo o futuro e outro pelo passado, bem arrumadinho. E outro ainda pelo vestido ainda te servir!

10:15 da tarde  
Blogger João Barbosa said...

O ataque da surpresa às vezes é um sufoco outras um festival.

6:48 da tarde  
Blogger João Barbosa said...

gostei tanto deste teu texto que, inspirado nele, escrevi um para ti no meu blog.
Chama-se: carta a uma bailarina desconhecida e tem link para o teu blog.

6:56 da tarde  
Blogger elisa said...

"Dez anos, um vestido, uma caixa cheia de lembranças, um domingo em paz. E um amor."
Parece-me que estás preparada para o futuro!
Boa sorte:)!

11:03 da manhã  
Blogger Magnolia said...

O post está lindo. (É que só me ocorre dizer isto. Está mesmo.)

12:18 da tarde  
Blogger IPQ said...

Minha querida, nem sabes como me deixa feliz ler este post. é tão bom ver-te assim, pacificada com as lembranças e pronta para abraçar o futuro...
Que pessoa especial tu és!

11:29 da manhã  

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