segunda-feira, junho 13, 2005

O político

O Senhor Comendador vive numa aldeia do Alentejo, daquelas que ninguém conhece e que está à espera do Alqueva para finalmente entrar no mapa. São seis da tarde, o sol já vai baixo, e sentamo-nos à conversa na taberna do largo à frente de uma água e de um copinho de vinho tinto. O primeiro de muitos, para ajudar a puxar pela memória. São sessenta anos de histórias desde que, ainda miúdo, se meteu na política e entrou para o Partido Comunista. Militante das bases mas nem por isso menos interventivo, não faltava a uma reunião, quando elas ainda se faziam às escondidas, na casa de um ou de outro, para que a PIDE não lhes trocasse as voltas. Foi por essa altura que conheceu Álvaro Cunhal e se lhe meteu na cabeça que havia de fazer alguma coisa para mudar o mundo. O seu mundo, que não era mais do que o Alentejo onde nada tinha de seu a não ser horas e horas de trabalho, de sol a sol, nas terras dos outros. Por tudo isto, fazia sentido o 25 de Abril, fazia sentido a Reforma Agrária, faziam sentido os comícios daquele homem que falava em dar voz ao proletariado e a terra a quem a trabalha. Nunca casou, porque não teve tempo para isso, mas foi ele quem juntou os grupos que entraram nas herdades e se apoderaram das terras. Tudo feito com tino, garante. Tanto que até passou uns tempos na União Soviética, a ver como é que eles faziam as coisas lá nos kolkozes. E era tudo tão perfeito, viviam todos tão bem, que o comunismo só podia ser uma coisa boa, aquilo que, afinal, faltava no Alentejo. Hoje continua a trabalhar numa das últimas cooperativas agrícolas que ainda existem e até admite que a coisa não correu bem, mas guarda religiosamente o cartão do PCP e não falha as reuniões, cada vez mais escassas e com menos interesse, que esta malta nova não sabe o que é fazer revoluções. Da Reforma Agrária ficou-lhe a comenda, dada pelo Presidente da República já lá vai um par de anos. Pelos serviços prestados à nação. Pelo papel desempenhado depois do 25 de Abril, quando , pela sua mão, nasceram as primeiras cooperativas agrícolas. Foi recebê-la num qualquer dia 10 de Junho, apertado dentro do fato dos casamentos e funerais e atrapalhado com as palavras de agradecimento que era preciso dizer e que não lhe saíam. O título pouco lhe interessa, mas dorme descansado todas as noites, porque o que fez foi porque acreditava e continua a acreditar. Não sabe muito bem quem foi Marx ou Lenine e tem uma ideia que a URSS já deixou de existir, mas isso pouco lhe interessa. O PCP está definitivamente no mapa da sua vida e um dos dias mais felizes de que se recorda foi aquele em que apertou a mão a Álvaro Cunhal.

Cunhal foi um homem derrotado pela história, mas é, definitivamente, uma parte da nossa história. O tempo veio provar as imperfeições da ideologia que defendia, mas foi um político que moveu multidões, que encorajou e deu uma esperança nova a muita gente. Concorde-se ou não com ele - e hoje em dia é praticamente impossível concordar - há que reconhecer-lhe as qualidades de líder e a coerência que sempre conseguiu manter. É certo que, de tanto querer ser coerente acabaria por parar no tempo, mas a sua força de carácter não voltou a ver-se em mais nenhum líder político deste País. Lamentavelmente.

1 Comments:

Blogger Invisible said...

Até sempre, Camarada. Obrigado pela Liberdade!

3:04 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home