segunda-feira, maio 16, 2005

Segurança Social

- Boa tarde. Venho falar com o senhor ministro.
A mulher do lado de lá da secretária continua a fazer o seu crochet, dá-lhe uma olhadela de lado e pergunta se tem entrevista marcada.
- Não tenho. Mas venho falar-lhe na mesma.
Perante a resposta decidida, ela pousa a agulha e o novelo e digna-se a olhar para o homem de fato e gravata e ar zangado que está à sua frente. Perante a firmeza do olhar, decide-se a pegar no telefone e a ligar para as secretárias, no sétimo andar do edifício.
A resposta é não, que há uma agenda, que não se recebe ninguém sem marcação e, já agora, qual é o assunto, e como é que se chama, de onde vem e para onde vai?
- Acabei de passar cinco horas na Segurança Social, no Areeiro, onde me dizem que o meu processo desapareceu, que está parado, que a responsável tem mais do que fazer do que estar a receber todos os desempregados que lá aparecem, que tenho de esperar e eu que já espero há demasiado tempo, não me importo de esperar o tempo que for preciso, mas não saio daqui sem falar com o ministro.
Disse tudo de uma enfiada, mãos nos bolsos para ninguém as ver tremer e sentou-se numa das poltronas de cabedal a fingir no hall no edifício da Praça de Londres.
Nessa altura já o crochet estava esquecido e todos os porteiros e motoristas se tinham reunido à volta da contínua e do inesperado visitante.
Lá de cima, as secretárias continuavam sem dar sinal de vida.
Uma hora depois, passa um homem com um processo debaixo do braço
Duas horas depois o telefone da contínua dá sinal: - Diga ao senhor que espere mais um pouco.
Duas horas e meia depois mandaram-no subir para uma sala do sétimo andar com vista corrida sobre a cidade. Ofereceram-lhe água, café, e finalmente um homem e uma mulher entraram na sala: o chefe de gabinete do ministro e uma das assessoras.
Ele continuou a esconder o tremor das mão enquando desfiava a sua história. Uma história igual a tantas outras, um emprego que terminou no final do contrato a termo, um ano em que não pôde procurar trabalho porque esteve gravemente doente, um processo que desapareceu, muitos requerimentos por escrito, muito ofícios enviados da província, para onde teve de ir viver em casa dos pais, um bug informático que fizera desaparecer metade dos seus dados, funcionários mal educados e desinteressados porque a eles todos os meses a segurança social paga o salário.
- Não venho pedir nada. Venho exigir que resolvam o meu caso e desbloqueiem o subsídio a que tenho direito. Só isso.
O chefe de gabinete e a assessora ouvem em silêncio. À sua frente, por obra de um qualquer passe de mágica, está o seu processo, o tal que, tantas vezes lhe disseram, andava perdido, atingido por um fulgurante bug dos computadores. Fazem perguntas. Querem saber pormenores, detalhes. O homem vai descontraindo. Conta tudo, obejctivamente, sem acusações, que os factos falam por si.
Surpreende-se com a disponibilidade dos interlocutores. Mal consegue ainda acreditar quando lhe dizem que é óbvio que houve erros dos serviços, que provavelmente haverá muitos casos como o seu, que fez muito bem em ir ali, porque são esses erros que o ministério quer conhecer e detectar, que é para isso que está lá o novíssimo governo. O subsídio em falta chegará no final do mês, garantem. Foi um prazer conhece-lo, o Estado não o abandonou, que o Estado é um estado socialista.

Ainda não sabe se o subsídio virá mesmo no final do mês, mas dois dias depois já a assistente social da sua área de residência o estava a contactar para marcar uma entrevista. O processo, o tal que havia desaparecido, está agora a ser seguido pela directora do centro local da segurança social e, em mais um passe de mágica, foi elaborado um plano ocupacional, que lhe permitirá começar a trabalhar no início do próximo mês e a sentir-se útil ao mundo, com direito à manutenção do subsídio e a dias livres para ir a entrevistas de emprego.

Continua desempregado, mas agora acredita um pouco mais no mundo. E diz a si próprio que nunca mais deixará que lhe tremam as mãos quando estiver a lutar pelos seus direitos.

(P.S.: tenho muito orgulho de ti!)

3 Comments:

Blogger Sónia said...

Se um dia quiseres ouvir histórias giras sobre a segurança social eu tenho algumas! ahahahah Já faço colecção!
E eu, seja ele quem for, também tenho muito orgulho nessa pessoa que fala mais alto. Provavelmente, a SS não vai mudar nada, só para ele, mas pelo menos marcou a diferença. Gosto de pessoas que lutam pelos seus direitos! :)

1:05 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Acreditem que esta historia e mesmo verdadeira! A mais pura das realidades! Nao deve mudar muita coisa o que o tal individuo passadao da cabeca fez... no entanto Ele acredita sempre que pode fazer o que quer!!

Gosto muito de Ti Mana

12:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

E que grande coragem!!

1:09 da tarde  

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