domingo, dezembro 12, 2004

Aparências

Primeiro foi o Zé Tó. conheceram-se ainda na Universidade, namoraram durante três anos, viveram juntos os melhores tempos do curso, foram a todas as festas, fizeram teatro no grupo amador da faculdade, viajaram de combóio pela Europa, criaram o seu grupo de amigos e festejaram juntos a última oral, o "canudo" conseguido à custa de noites em branco a estudar nas vésperas dos exames. Sempre juntos. O par ideal, apaixonados, decididos a casar e a viver felizes para sempre. Casaram no verão seguinte e viveram juntos dois anos até que um dia ele chegou a casa e lhe comunicou que queria o divórcio. Apaixonara-se. Só isso. Apaixonara-se por outra pessoa. Apaixonara-se pelo João, um colega de trabalho, e iam viver juntos. Não tinha nada a ver com ela, que era e continuaria a ser a sua melhor amiga, mas tinha descoberto a sua homosexualidade e estava disposto a enfrentar tudo e todos para viver em paz consigo próprio.

Ela chorou durante semanas, sem saber se chorava por ele, por si, pela ausência dele ou pelo facto de ter descoberto que ao fim de cinco anos não conhecia o homem com quem se tinha casado e com quem, supostamente, havia de ser feliz para sempre. Depois levantou a cabeça. Convenceu-se de que essas coisas acontecem, que era melhor para os dois e que ele tinha o direito de ser feliz como muito bem entendesse e com quem quisesse.

Depois conheceu o Jorge. Lindo, fantástico, normalissimo. Andou durante meses a tentar descobrir se por acaso ele não olharia vezes demais para o traseiro dos seus amigos, mas depois convenceu-se que estava a portar-se como uma idiota. E deixou-se ir. Apaixonou-se. Precisava disso. Precisava de voltar a acreditar em si, de se sentir amada e desejada e o Jorge era perfeito. Tão perfeito que, quando deu por si, já estava a ser apresentada aos pais dele, a passar fins de semana em casa da família dele, a ajudá-lo a decorar a casa onde iriam viver juntos. Tão perfeito que, embora tivesse jurado a si própria que não voltaria a casar, convenceu-se que desta vez nada poderia estragar o seu amor perfeito. Nada, a não ser... o cabeleireiro a que costumava ir e onde o Jorge a acompanhava, esperando calmamente enquanto lhe faziam as madeixas. Nunca mais lá voltou e nunca mais voltou a ver o Jorge, desde aquele dia em que ele a levou a jantar fora e lhe anunciou que se tinha apaixonado pelo Michael - Joaquim, para os amigos lá do bairro antes de se ter transformado em cabeleireiro chique que cobrava balurdios por fazer umas madeixas fabulosas.

Não há mulher que aguente ser trocada duas vezes por um homem. Chorou baba e ranho, meteu um mês de férias e fechou-se na casa da praia, sem atender telefones a não ser à mãe, que não percebia o que se passava com a filha nem por que raio tinha acabado o namoro com aqule rapaz tão jeitoso, tão sensível, tão dedicado.

À custa de sessões de terapia, que quase a levaram à falência, recuperou o amor próprio e voltou à sua vida habitual. Recuperou os velhos amigos, não recusou um único convite para sair e namoriscou com quem lhe apeteceu sem, no entanto, deixar que alguma vez as coisas fossem longe demais. Mesmo sem querer, mesmo com a voz do psicólogo a soprar-lhe aos ouvidos que as escolhas dos ex nada tinham a ver consigo, não era capaz de acreditar que a(s) experiência(s) não se repetiria(m).

Há dias encontrámo-nos. Não a via há anos, não sabia de nada disto e fiz a pergunta idiota que fazemos quando encontramos colegas de curso com quem não falamos há muito tempo: se estava sózinha, se tinha casado, filhos, essas coisas. Encolheu os ombros, sorriu e respondeu que não, que agora está a pensar "experimentar as mulheres". Ri-me também, sem perceber a piada e ela contou-me a sua última história. Depois do Zé Tó e do Jorge tinha dado ouvidos ao idiota do psicólogo e começara a andar com o Guilherme. Eram amigos de infância, tinham crescido juntos, se ele fosse gay ela haveria de saber. Enganara-se: duas semanas antes fizera-lhe uma visita surpresa, com uma garrafa de vinho tinto e um presente de aniversário e deu com ele enfiado na cama com um homem. Nem se deu ao trabalho de lhe voltar a falar. Desta vez não chorou.

3 Comments:

Blogger Bekx (JGG) said...

Onde é que ela os ia descobrir? Se calhar fazia melhor em mudar de psicólogo. Aposto que o próximo vai para padre.

1:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

suponho que é uma daquelas histórias com coincidências do pior... acho que nem ela acredita muito bem no que lhe tem acontecido :)

11:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

O que posso concluir é que essa moça gosta de homens frágeis e sensiveis e muito femininos no seu modo de estar, e isso é uma caracteristica muito encontrada nos gays...agora ela que procure bem porque embora talvez não femininos existem homens muito sensiveis que não temem a descriminação mas que são hetero...Não vejo um psicologo como a solução da vida dela...acho que não há nada como olhar para dentro de si mesmo e não se recriminar por ter uma sensibilidade fora do comum...

9:34 da manhã  

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