quarta-feira, outubro 25, 2006

O café não engana

Não digo que não tenham sido umas boas férias, porque foram. Gostei de lhe apresentar a Cidade e de a levar a ver os detalhes que os turistas não vêem. Como o outro lado do mercado egípcio, onde se vendem as melhores especiarias e os tecidos tingidos à mão. Ou os velhos banhos turcos, aquecidos a lenha e com paredes brancas da cal. Ou as antigas mesquitas, ainda de fora dos roteiros das agências de viagem.
Fez-me rir, como sempre, enquanto olhávamos a Cidade a partir do rio e atravessávamos a ponte, um pé na Ásia, outro na Europa. Foi sempre assim, aliás. Sempre me fez rir, ao contrário das outras, que mais dia, menos dia, acabavam por me entediar, com os inevitáveis ataques de romantismo. Talvez por isso, também, sempre me deixou confuso, sem saber para onde caminhávamos. Cheguei a perguntar-lhe, mas o “Vamos ver” da resposta ainda me deixou mais a Leste, portanto fiz isso mesmo, deixei andar. Ainda mais depois do homem do Mercado Egípcio lhe ter dito que as borras do café prognosticavam que pouco mais haveria de acontecer, que o homem ao seu lado não queria compromissos. E eu, que nunca acreditei em astrólogos e muito menos em borras do café, agarrei a ajuda o melhor que pude e deixei-me ficar, sem compromissos, a curtir a Cidade e a curti-la a ela, e aos seus risos e aos seus comentários, que às vezes me assustam, porque vêem mais longe do que eu alguma vez chegarei.
Já voltámos há algumas semanas, mas continuo sem saber para onde quero ir. Se calhar o tipo das borras do café tinha razão. Se calhar sou só eu que tenho medo do que poderei descobrir por detrás da inteligência do seu olhar. Em todo o caso, vou-me deixando ir. Só não sei é porque é que me falta a coragem de cada vez que agarro no telefone para marcar o número dela. Não sei, mas, à cautela, volto a guardá-lo e adio para o dia seguinte.

13 Comments:

Anonymous Anónimo said...

complexos de inferioridade.
são terríveis! e o pior é que há cada vez mais homens a sofrer deste mal :)
M.

4:21 da tarde  
Blogger gracinha, a artista do burlesco said...

gajos! bah! uma gaja nunca sabe o que lhes há-de dizer!

6:03 da tarde  
Blogger panamá said...

xiii! do mais corriqueiro que pode haver, digo eu! cabeça tão bem descrita! os receios, os medos...!está genialmente descrito! e, meu senhor, a inteligência não se pode deixar escapar! já viu a quantidade de gente estúpida que por aí paira?
eheheh!
beijoca, jóia!

12:37 da tarde  
Blogger João Barbosa said...

gosto de te ler... pronto, já disse.

2:35 da tarde  
Blogger Xixao said...

Vir aqui é sempre um prazer, encontrar um texto novo uma delicia! Parabéns!

2:49 da tarde  
Blogger elisa said...

Depois, pode ser tarde demais...
BEijos e bom fim de semana!

4:37 da tarde  
Blogger Su said...

gostei de ler.te
voltarei
jocas maradas

9:19 da tarde  
Blogger mfc said...

Marca... que é que podes perder?!
Olha as borras de café!

12:51 da manhã  
Blogger Borboleta said...

As pessoas que nos interessam e nos intrigam e nos encantam também podem ser assustadoras... são abismos onde adoraríamos precipitar-nos, se não prezássemos tanto a nossa integridade emocional. aquela que julgamos manter quando adiamos o telefonema, o convite para o café ou para outra coisa qualquer. deve saber que essa pessoa mexe consigo. profundamente. pergunte-se, com força, se se vai permitir deixá-la desvanecer aos pouquinhos, na mesmice dos dias em que adiou esse contacto que poderia fazer a diferença.
quando os seus medos se tornarem castradores, dê-lhes uma folga :)

3:50 da tarde  
Blogger Borboleta said...

desculpe-me, se pareci que estava a julgá-lo :) mas não pude resistir. a sua história soou-me minha. a luta contra os medos castradores é perene e faz-se de pequenas vitórias.

3:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

excelente mais uma vez!
tens livros publicados ou assim?

11:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Espectacular!

12:17 da manhã  
Blogger *ci* ramoss said...

Mais uma vez vc se supera! Parabéns. Ah, Estou voltando ao particularidades. bjos.

12:39 da manhã  

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