segunda-feira, dezembro 18, 2006

Dilema

O Natal tem destas coisas. Ele são almoços, ele são jantares, mais as festas de comemoração da época, e depois dá nisto. Muito álcool, talvez. Ou se calhar é só aquela coisa de sair até tarde e de deixar a cara metade em casa, porque o jantar é só com o grupo da empresa. O que é certo é que lá acabámos a noite no Tóquio, com o pessoal todo descontraído à conta de imperiais e Whisky marado. E ele, sempre tão caladinho, sempre com ar de chefe-que-não-parte-um-prato, de repente começa a dançar que nem um doido, coladinho à mini-saia da secretária do director, todo mãos por todo o lado, indiferente aos sorrisinhos de toda a gente. Aos meus também, claro, que há coisas que a gente não consegue evitar. Mas o riso foi-se quando me lembrei que o tipo é namorado de uma das minhas melhores amigas, que no dia seguinte o jantar até era com ela e mais o grupinho que ainda resta dos tempos da faculdade, e que lá ia ter que ouvir como ele é maravilhoso e fantástico e o melhor gajo do mundo. Por isso fechei os olhos. E não vi quando as mãos lhe escorreram para o decote da secretária, não vi quando se sentaram os dois no sofá do fundo, nem vi quando saíram junto e apanharam o mesmo táxi.
Não vi, mas agora já não sei se não devia ter visto. No dia seguinte fui jantar com a Joana e não contei nada, porque não havia nada para contar, porque afinal não tinha visto nada. Mas não sei é como é que há-de ser da próxima vez que ele me aparecer à frente. Porque me vai apetecer tirar-lhe da cara o ar de chefe-que-não-parte-um-prato, mas sei que o melhor é não fazer nada. Porque, já dizia a minha avó, entre marido e mulher não se mete a colher, e porque era capaz de apostar que ela não havia de acreditar em mim, que cairia que nem uma patinha na versão dele da noite e que perdia mais uma amiga das poucas que ainda me restam dos tempos da faculdade.

terça-feira, dezembro 12, 2006

Irreal

E agora, Quim Barreiros, e "a cabrinha". Na fila da frente, um senhor que veio acompanhar a mulher, remexe-se na cadeira e acompanha o cantor no refrão. Duas miúdas brasileiras que estão de pé, ensaiam um passinho de dança e animam ainda mais quando sobe ao palco Michael Carrera, filho de outra grande estrela, que dá os primeiros passos no mundo da música pimba. Estão lá todos, no programa que a TVI dedica às crianças dos hospitais. E é a TVI que anima a sala de espera do hospital de São José, desde o Você na TV, com o grande Luis Goucha e suas muxachas (não me perguntem os nomes),desta vez com as grandes Lili e cinha, passando pelo telejornal da hora do almoço, abundante em notícias sobre acidentados em Espanha, mortos nas estradas nacionais e viúvos indemnizados 14 anos depois por negligência hospitalar. Não há comando, mas também ninguém se atreviria a mudar de canal e enfrentar a oposição dos velhotes que ocupam as cadeiras, à espera de serem chamados para lhes tratarem da dor na perna, da dor nas costas, da tensão que subiu, do colesterol que está nos píncaros.

A sala de espera do hospital de São José deixa ainda mais doente quem tenha de lá se sentar. E as esperas são longas. É preciso esperar pela triagem e muito mais ainda se calha um nível 3, que é a categoria a que são remetidos os casos considerados não urgentes. Grande parte dos velhotes têm um nível 3 (se calhar porque os outros já estão devidamente acomodados nas macas estacionadas nos corredores) e passam lá boa parte do dia, a criticar os oito euros e meio da taxa moderadora, que "eles" subiram quase sem ninguém dar por isso, sempre a ir ao bolso das pessoas e sem fazerem obras, nem porem um ar condicionado que resolva o problema dos pés e das mãos gelados pelas horas de espera.

Pela sala de espera não passam os casos mais graves, mas a inevitável ida aos Balcões deixa qualquer um de rastos. São filas e filas de camas alinhadas, num open space que lembra os hospitais de campanha dos filmes da 2ª guerra mundial. As conversas cruzam-se no ar. Das dores de todo o género e feitio, à frase do miudo que entra de repente a dizer que o mandaram ali para ser Circuncisado e se recusa a sair, mesmo quendo o médico lhe diz que tal operação não é nenhuma urgência e que primeiro tem de marcar consulta.

Gostava de saber se o ministro da Saúde ou qualquer um dos seus colegas de Governo, incluindo o Primeiro, alguma vez passou seis ou sete horas na sala de espera do hospital de São José à espera de saber o resultado de uma análise, mas estou tentada a apostar que não.